quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Eye of the tiger ♪






Ah, o Irã...

Quando o Irã aparece nas mídias, via de regra é sobre ameaça terrorista, rixa com Israel ou com os EUA, conflitos internos, violação aos direitos das mulheres...
A gente acaba acreditando que os iranianos são todos uns religiosos extremistas e alienados que vivem gritando e brigando uns com os outros.
Ah... o Irã não é só isso. O Irã tem gente visionária interessada em mudar a realidade do seu país, tem Pasárgada1 (onde o Manuel Bandeira é amigo do rei, onde ele terá a mulher quiser, na cama que escolherá...) tem petróleo e tem ... ~BONS QUADRINHOS~ !!
A HQ Persepolis de Marjane Satrapi, é um sucesso há mais de seis anos. Ganhou prêmios em feiras de comics, depois angariou o laurel de melhor história em quadrinhos na Feira de Frankfurt.em 2004 (o que não é comum para um quadrinho que ganha prêmio em feira de comics). E o sucesso foi tanto, que a Sony decidiu transformar o quadrinho em filme de animação e este também recebeu diversos prêmios, inclusive o Prêmio do Júri no Festival de Cannes (outro incomum: um quadrinho que virou desenho ganhando prêmio em Cannes).
Persépolis é autobiográfico e relata a infância e a adolescência da autora, no Irã dos anos 80, em meio à revolução xiita (guerra entre o Irã e o Iraque) que impulsionou a ditatura fundamentalista no país.
O relato dela é incrível! ela conta parte da história do seu país sem ser chata, acadêmica ou formal e quebra vários paradigmas sobre a nossa visão da cultura oriental, posto que, ela foi uma adolescente como tantas outras no mundo, em busca de autoconhecimento e oprimida pelo meio em que vivia.
Marji era uma menina muito esperta e amada pelos seus pais e pela sua avó. Era fã de Bruce Lee e tudo o que queria era usar um tênis Nike, depilar as pernas e poder escutar Iron Maiden, porém, vivia em uma sociedade em que as meninas tinham que se cobrir dos pés a cabeça, não podiam namorar e nem utilizar coisas que lembrassem a cultura ocidental. No final ela sofre com a morte de pessoas queridas na revolução e sofre também quando saí do país para poder se tornar uma mulher livre e emancipada, mas supera tudo isso e samba na cara da sociedade ao som de “eye of the tiger”
Além do Irã que acaba sendo um “personagem oculto”, a história abrange também outros temas, como: crescimento pessoal, liberdade, amores, ilusões, raízes, comprometimento, lealdade, etc. E tem uma pitada de feminismo, mas sem a pretensão de ter.
Em suma: ao mesmo tempo que ela se assemelha por ser uma típica adolescente, ela se diferencia por causa da cultura, o que permite ao leitor se identificar com ela e se indignar com o que ela passa ao mesmo tempo.
Ano passado, foi lançada a graphic novel “O Paraíso de Zahra” escrita por Amir e ilustrada por Khalil que inicialmente publicaram-na em um blog, com tradução para vários idiomas antes comercializar a versão impressa.
O contexto político é importante para entender a origem de O Paraíso de Zahra, por isso eu acho interessante ler a obra da Marjane antes, porque Persépolis têm como pano de fundo a revolução de 1979, que estabeleceu a atual república islâmica e O Paraíso de Zahra – apesar de ficcional- relata a real insatisfação do povo iraniano após 30 anos deste regime, mostrando que eles chegaram ao limite, anseiam por mudanças e estão se preparando para lutar por ela.
A história é narradora por Hassan, que junto com sua mãe Zahra, está em busca de seu irmão Mehdi, um jovem de 19 anos que sumiu durante um dos protestos contra as eleições presidenciais do Irã. Esta busca desesperada é relatada num blog, o "Paraíso de Zahra" ou “Zahra's Paradise” (que também é o nome de um cemitério próximo à cidade de Teerã, um dos principais do país).
O protesto em questão é aquele ocorrido em 2009, onde Aiatolá Ali Khamenei valida a eleição de Mahmoud Ahmadinejad, mesmo sob sérias acusações de fraude, incluindo a dos órgãos internacionais que fiscalizaram as eleições. Neste dia, milhares de pessoas foram presas, muitas nunca mais foram vistas, outras foram mortas e tudo isso foi divulgado para o mundo viaTwitter e YouTube.
No enredo da história vemos rapidamente a morte de uma jovem chamada Neda, que faleceu durante os protestos. Ao final da HQ há um texto que explica a história real dessa moça, cuja agonia e morte foram gravadas de um celular, o vídeo foi postado no youtube e tornou-se um viral na internet .
O poder da divulgação em rede foi magistralmente relatado na obra. Estas manifestações contra as eleições de 2009 foram massivamente documentadas e pode ter evitado algumas mortes.

Conclusão: Hqs iranianianas são uma coisa linda de Alá.

Conclusão parte II: as vezes a gente vê as coisas que acontecem no Oriente Médio e pensa “que bom que essas coisas não acontecem aqui”, “que bom que somos um país livre” “por mais que a situação esteja ruim, pelo menos no nosso país não temos que usar burca e podemos assistir o que quiser na TV”
Claro que temos sorte por vivermos num país tranquilo e parcimonioso e não passarmos por certas coisas, mas, por outro lado, talvez na nossa maior qualidade resida nosso maior defeito.
O brasileiro é adaptável demais, para o bem e para o mal.
Diferente dos iranianos, que, quando precisam defendem seus ideais com a própria vida, nós temos horror ao conflito.
Queremos ser amados e resolver tudo na boa e nisso valores, conceitos, gostos, discursos políticos... vão sendo facilmente empurrados goela abaixo pelo topo da pirâmide social.
Não leve a mal, eu amo meu país, mas não dá para negar que não temos tradição, somos influenciados pelos EUA, nossas comidas típicas vieram dos negros e índios... Enfim, nos falta estilo, nos falta personalidade, nos falta coragem pra dizer não para o que não queremos.
Tínhamos futebol. Hoje acho que nem isso.
Temos um sistema de saúde gratuito, em contrapartida temos lugares onde não tem nem energia elétrica.
Lá fora, os estrangeiros acham que vivemos pelados, pulando carnaval o ano inteiro e moramos numa favela no meio da floresta enquanto, na verdade, importamos quase todo o american way of life do Tio Sam e nos transformamos em americanos nascidos no Brasil: gostamos mais dos livros americanos -os Harry Potters, Jogos Vorazes e Crepúsculos da vida- , compramos coisas no Amazon, comemoramos Halloween e St. Patricks Day, adoramos big mac, escutamos Beyonce, compramos carros com air bag, somos fãs de The Big Bang Theory...
É irônico como amamos profundamente a América e eles nem sabem como verdadeiramente somos.
E quem somos? somos uns filhos da mãe que amamos justiça, mas não gostamos de lutar por ela. Expulsamos os índios, os verdadeiros donos dessas terras, impusemos a eles a cultura européia como se fosse melhor, misturamos nossas raças, nossa identidade se fundiu com a dos novos colonizadores e o resultado foi que tudo que nos faz únicos hoje é a nossa mistura racial, nossa falta de cultura particular e nossa facilidade de se influenciar.
Enfim, é passada a hora de vermos que existe coisa boa fora da América e que nós também somos bons.
O  Irã, repressor do jeito que é, faz filmes premiados no Festival de Cannes, tem os tapetes mais famosos do mundo e os bancos não cobram juros... (sem contar as duas HQs que eu supra analisei)
A  Índia, miserável do jeito que é, tem sua própria industria de cinema -a “Bollywood”-,  produz industrialmente tecnologia de ponta e é a número um em cientistas importantes...
E se essas duas nações de recursos e liberdade de expressão tão limitados conseguem enaltecer-se perante o mundo sendo elas mesmas, eu sinceramente espero mais do Brasil.

Conclusão parte III: Apreciar a cultura estrangeira, sim. Submeter-se a ela, não.

Em tempo: O vídeo supra postado é do filme Persépolis, no momento que a Marji canta “Eye of the Tiger” desafinada, charmosa e dhéja.



1 Referência ao poema de Manuel Bandeira chamado “Vou me embora pra Pasárgada” do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90