domingo, 24 de fevereiro de 2013

Superman ♪




Não é bom quando a gente encontra trezentos mil num casaco antigo? Dizia um tweet do Eike Batista.
Eu, como sou pobre e azarada, vou procurar dinheiro, acho um caderno de segundo grau antigo.
Minha única alegria foi ver que ele ainda tinha os adesivos do superman intactos!
Folheando as primeiras páginas do caderno, li que meu ex professor de história me ensinou que o “heroísmo romântico” nasceu com Ilíada e Odisséia por quatro razões.
Uma delas era a narração mítica e as outras eu não anotei.
Nunca li (e acho que nunca vou ler) Ilíada e Odisséia, mas já li os resumos e assisti o filme com o Brad Pitt e pelo que entendi é mais ou menos assim:
Ilíada relata a saga do herói Aquiles, filho de uma deusa e um mortal, que engendrou a Guerra de Tróia, na qual ele mata Heitor, o filho do rei de Tróia. Tudo porque o príncipe Páris (irmão do Heitor) resolveu dar uns pegas na Helena que era mulher do rei Menelau.
Odisséia narra as dificuldades e tormentos da guerra de Tróia que enfrentou Ulisses, rei de Ítaca (entre elas passar sete anos fornicando com a ninfa Calipso) e seu retorno para casa (depois de dez anos !!!) onde o espera ansiosa e amorosamente sua esposa, Penélope (depois de dez anos ???)
A partir de Homero o mundo não parou mais de escrever histórias de heróis, conflitos e aventuras baseadas na sociedade e no tempo histórico que vivem.
Até que um dia criaram o superman e depois dele todos os outros heróis modernos.
Mas nesses tempos de valorização do vilão, do anti-herói, do revolucionário, dos “vida loka”, do sombrio, do “dark side” e dos “cinqüenta tons de cinza”... anda meio fora de moda o bom e velho herói que veste a cueca vermelha por cima do colan azul.
Não raro, o superman é até criticado por ser irreal, “perfeitinho demais”, mauricinho, convencido, invulnerável.
Sem contar que esses dias eu fui comprar um caderno novo e não tinha do Superman. Só tinha do Batman (sem adesivo).
Confesso que eu tive meus preconceitos quanto a essa invencibilidade dele ...
Como o espartano Dienekes¹ fala: “Se todos tivéssemos as capacidades dos deuses, medrosos seriam tão raros quanto penas em peixes!”
E é verdade, ver o Superman enfrentando raios, meteoritos, explosões, etc. etc., sabendo que ele sairá ileso não causa muita emoção...
Porém, boa parte desse superman é obra dos equívocos editoriais da DC e creio que quem ler outras HQs como Crise nas terras infinitas (Marv Wolfman), All Star Superman (Grant Morrison), ou o meu preferido “Superman: Entre a Foice e o Martelo”² escrita por Mark Millar (nessa minisérie ao invés do foguete de Kal-el cair na América capitalista, ele acaba caindo na Rússia comunista de Stalin, o uniforme dele é cinza e vermelho e ao invés do “S” no peito, o símbolo é um martelo e uma foice) eventualmente vai acabar abrindo o coração e valorizando esse quase esquecido super-herói.
Eu insisto em dizer que todo herói moderno é uma releitura do superman.
Kal-El pode não ter sido o primeiro, mas foi referência pra esse tipo de herói.
Copiando a didática do meu professor do segundo grau, tenho quatro tópicos para defender a primazia do homem de aço:

1)   Super-Übermensch

Vou chutar que cerca de uns 80% dos heróis mais célebres são órfãos.
Não sei se é coincidência ou fruto de uma pesquisa de marketing...
Todo mundo adora ouvir a história de um coitado que não tem pai, ou mãe, ou os dois e se torna poderoso.
Quem não é órfão se comove, quem é se identifica.
(e ambos sonham em receber uma cartinha de Hogwarts)
A realidade é que nem todos os pais adotivos são Martha e Jonathan Kent, tem o Know-how de como educar um filho e estão realmente preparados para integrar outra pessoa a família. A maioria pensa que “amor para dar” é o suficiente e na prática não fazem a menor idéia do que estão fazendo.
Pais adotivos também não são por consequência pessoas altruístas, benevolentes, ajustadas e preparadas. Eles podem ser imaturos e carentes, sem contar que muitos deles desejam um filho para ter alguém em quem depositar amor e receber de volta, ou para ser um “herói” e assim acabam superestimando e enchendo de expectativas a pessoa que adotou, desconsiderando que seu filho é um individuo que não vai necessariamente seguir o roteiro que eles criaram e não vai ser a solução para o vazio interior que a carência deles criou.
Ainda que sejam pais perfeitos e por mais que haja amor em família, a falta dos pais biológicos é uma ferida que sara, mas a cicatriz permanece, mesmo que inconscientemente, bagunçando a psiquê do indivíduo. E se ele não for adequadamente bem criado e preparado para superar isso, a carência afetiva durante a infância pode conduzir a uma deterioração integral da personalidade.
Sorte do menino Kal-el que foi criado pelos melhores pais adotivos desde José e Maria, os pais de Jesus Cristo.
O mérito da perfeição de caráter dele, contudo, não deve ser só dos Kent.
Tem muito mais filho adotivo e filho biológico com pais perfeitos mas que estão perdidos na vida do que se possa imaginar.
Assim sendo, Kal-el é o principal responsável pelo seu carater, um dos motivos pelos quais ele merece o adjetivo de super.
Sabemos que cada pessoa é diferente e existem formas de se lidar com os problemas, minimizando-os até sumirem, mas é difícil alguém com ou até sem esse fardo emocional, construir uma personalidade quase indefectível e que saiba lidar com as dificuldades da vida de maneira imparcial, justa e lógica.
E não só o superman, mas muitos outros heróis possuem uma perfeição que não é humana (nem Kriptoniana) e caráter imaculado demais pra ser verdadeiro.
Mas tá certo, né? pra ver a realidade lê-se o jornal, a gente recorre a ficção é pra sonhar mesmo.
Por isso que eu digo: ele é perfeitinho demais? Até é.
Merece ser criticado por isso? Eu acho que não.
Palavras da minha amiga Vanessa (fã de Smallville) sobre a perfeição do superman: “Ele se fudeu muito na vida até amadurecer e se tornar quem ele é”
Eu concordo. A mensagem que ele transmite para mim é essa: no pain, no gain.
Quanto maior a dificuldade, mais gratificante é a superação.
Quanto maior a superação, maior a força adquirida.
E quanto mais forte se fica, mais forte se é.
Isto posto, a mensagem que o superman passa através da perfeição de pessoa que é o Clark Kent é que todos temos problemas e que independente disso qualquer pessoa pode ser bem-sucedida; desde que de alguma forma ela cure suas feridas, supere a si mesmo e se faça correta pela sua própria vontade.
Nietzsche também falou de um superman (Übermensch) na sua obra “Assim falou Zaratustra”, mas, o superman do Nietzche não é “super” porque tem superpoderes... Para ele um superhomem é qualquer homem que consegue superar a si mesmo e se fazer grande.
Uma vez que no Superman da DC coexistem as duas coisas (superpoderes e superação), pra mim ele é duas vezes super.
Acho válido mencionar que o ”S” no uniforme dele não é de “super” é o brasão da família El. A Louis Lane que assimilou o símbolo a letra S do alfabeto latino e pensou: “Ah, entendi! S... Superman...”
Essa explicação é a que eu mais gosto, mas não é dos quadrinhos da DC, é idéia do Marlon Brando que fez o Jor-el no filme Superman de 1978.
Nos quadrinhos atuais esse “S” é o símbolo kriptoniano para “Esperança”

2) Lar é onde está seu coração

Criado por dois judeus (Joe Shuster e Jerry Siegel), filhos de imigrantes, a primeira edição do superman foi publicada no dia 1 junho de 1938.
E o mundo precisava desesperadamente de um herói que trouxesse esperança nessa época, principalmente os judeus.
Cinco meses depois do lançamento do Superman, no dia 09 de novembro de 1938, em diversos locais da Alemanha e da Áustria, nazistas destruíram todas as lojas, habitações e sinagogas judias.
Naquela noite, 91 judeus foram mortos e cerca de 25.000 a 30.000 foram presos e levados para campos de concentração. 7500 lojas judaicas e 267 sinagogas foram reduzidas a escombros e esse evento foi conhecido como “Kristallnacht” (noite dos cristais).
O Planeta Terra era oficialmente um lugar de injustiças, violência, crime, abuso de poder, etc.
Se Shuster e Siegel estivessem focados e ressentidos sobre o que há de errado nesse mundo por causa dos horrores que o nazismo causou ao seu povo e também desesperançados quanto à um futuro melhor, eles teriam criado o Dr. Manhattan ao invés do Superman.
Digo isso porque Dr. Manhattan (whatchmen), que foi um homem comum chamado Jon Osterman antes de ficar azul e superpoderoso por conta de um acidente em uma câmara de testes durante um experimento de física nuclear, começou a não gostar mais do lugar onde vivia, se tornou alheio à assuntos humanos, incapaz de interagir com outras pessoas e foi embora da Terra indo morar na lua.
Ora, se você não nasceu nesse planeta e consegue sobreviver sem transformar gás carbônico em oxigênio, por que considerar um lugar assim “seu lar”?
Diferente do Dr. Manhattan, que apesar de ter sido humano um dia, passou a desprezar os humanos e o planeta Terra, Kal-El que nunca foi terráqueo e por isso tinha toda desculpa de se tornar um adolescentezinho super cheio de si e ir embora desse planeta, ou explodi-lo quando estivesse de saco cheio de ver coisas como holocausto, violência, corrupção, falsidade, ódio e etceteras, fez o contrário: amou o planeta em que foi criado com seus defeitos e qualidades e sempre transmitiu a mensagem que “lar” é onde está seu coração, onde você amou e se sentiu amado, onde você se sente confortável, o lugar que você arriscaria a própria vida para proteger...
Desistir de algo quando está ruim é fácil.
Ficar para salvar e tentar reconstruir aquilo que tem valor é que é heroísmo.

3)   Infalível, só que não.

Já li por aí várias comparações entre o Superman e Jesus Cristo; algumas até muito bem escritas.
No filme “Superman, o retorno” o diretor Bryan Singer usa e abusa dessa metáfora
( Jor-El (pai biológico) diz ao enviar seu filho a Terra: “Apesar de ser criado como um ser humano, você não é um deles [...] eles poderiam ser um grande povo [...], porém precisam de uma luz para iluminar o caminho [...]”.)
A impressão que eu tenho é que ninguém gostou desse filme porque o superman é esperançoso demais e todo mundo amou o Batman porque é sombrio demais.
Sabe como “Superman o retorno” teria ficado mais “dark” que o Batman? Se ele fosse literalmente uma metáfora da Bíblia e tivesse que matar seu próprio filho para salvar o mundo.
Tem algo mais sombrio e ao mesmo tempo mais generoso e heróico do que sacrificar o próprio filho pela humanidade?
E logo ele que é alienígena?
Não acho que foi um erro fazer Kal-el parecer com Jesus Cristo, acho que foi um erro não ter ido até o fim com isso.
(religiões a parte, J.C. é muito hardcore.)
Assim como a onipotência de Deus é vigorosamente questionada por ateus, a infalibilidade do superman também é, por muitas pessoas:
“Se ele é tão fodão e invencível porque não acaba com a fome no mundo? Por que não caça terroristas? Por que não conserta o buraco na camada de ozônio?Por que não governa a Terra?”         
Muitas edições foram dedicadas a responder essas questões, mas a que mais me convence foi a que eu li numa edição comemorativa dos 70 anos da DC3. Nela contém uma história chamada “Precisa haver um superman?” onde os Guardiões do Universo de OA, uma raça de alienígenas superpoderosos que cumpre o papel de sistema judiciário sideral (e também são líderes da tropa dos lanternas verdes), acreditam que a presença de Superman está tornando os humanos muito acomodados e usando desse subterfúgio  fazem um implante nele para que ele passe a acreditar que sua presença atrapalha o desenvolvimento da humanidade e que ficando na Terra ele impede que ela evolua, aprenda com seus erros e se fortaleça. ~Muito chatiado~ ele começa a se questionar: “Precisa haver um superman?” E saí pelo mundo em busca de respostas e tentando contribuir de maneira construtiva para com a humanidade. Após ponderar sobre o assunto, ele entende que deve sim continuar ajudando seu lar, mas dará chance para a sociedade aprender com seus erros e se curar, como um antibiótico que impede que bactérias se proliferem, mas não as mata, permitindo ao corpo criar imunidade naturalmente.
Por outro lado, em outras histórias vemos que ele não é infalível; não é onipresente, e não só na kriptonita verde reside toda a fraqueza do homem de aço (fraqueza física pode ser, emocional não).
Por exemplo: Ele não conseguiu salvar a cidade de Kandor de ser engarrafada pelo vilão Brainiac (séries Pré-crise nas infinitas terras e Nova Krypton)
Ele não é infalível, ele é inabalável, o que é diferente.
Quando ele falha, ele se qualifica, aprende com seu erro.
A vida e as experiências dele são na verdade, muito parecidas com as nossas.
Ele já foi atormentado pelos seus momentos de vergonha, já foi negligente e não procurou formas de reverter problemas, já deixou deveres pra depois, já se deprimiu e foi se entocar na Fortaleza da Solidão para poder se fortalecer e voltar melhor, já sofreu por perder entes queridos, chorou a perda do seu animal de estimação, etc.
A personalidade dele também não é 100% indefectível.
Ele é tímido.
É complicado traçar um perfil de um personagem clássico dos quadrinhos porque algumas características deles não são imutáveis e de fato mudam de acordo com o tempo, o roteirista, o desenhista, etc.. E como estão há mais ou menos 80 anos  sobrevivendo do sucesso de suas historias, são produtos de mercado como a coca-cola... ou seja: a essência é a mesma, mas a modernidade implica em mudanças na embalagem, uma coisinha ou outra na fórmula, etc.
Por exemplo: o Demolidor tinha a roupa amarela, a Mulher Maravilha já usou saia e o superman era mais “bruto” e agia mais do que pensava.
Em 1940 ele começou a agir mais como detetive e passou a ser cada vez mais humano, porém, o alter-ego do superman, Clark Kent sempre foi excessivamente tímido.
Okay, timidez não é o pior dos defeitos.
Batman é cínico e monossilábico e tá na moda amá-lo e defendê-lo: Ai, ele é assim porque ele é mais inteligente que os outros e não precisa de superpoderes, Noooossaaaaa como ele é foda!
Superman (como Clark Kent) é um caipira coitadinho e não paga de melhor que os outros, todavia, ele É melhor que os outros.

4) Ficcionalmente real

Três exemplos – não-ficcionais- do que o Superman fez pela humanidade:

1) Na série “grandes astros superman” (All Star Superman- Grant Morrisson), em uma das cenas ele salva uma menina que iria se jogar do alto de um prédio4. Algum tempo depois, foi postado na internet o depoimento de uma mulher que estava com depressão e queria se matar, mas decidiu não faze-lo por conta dessa história.
No final ela diz: “Agora estou na faculdade, a melhor da minha classe. Eu tenho amigos. Eu tenho uma vida. E não me importa se ele é um personagem fictício de quadrinhos. Ele continua tendo salvado minha vida.”

2) Em 1946, existia uma rádio novela do herói e através desse programa de rádio o Superman ajudou realmente a derrubar a famosa organização racista Ku Klux Klan.
Houve um arco de 16 episódios em transmissão chamado Clan of fiery cross (Clan da cruz em chamas) onde no final, o superman toma a KKK, prende seus membros e conta em rede nacional o que eles faziam.
O que é interessante é que muito do que era contado na rádio novela eram informações verdadeiras e confidenciais aos membros da KKK.
Tal peripécia foi possível porque o jornalista Stetson Kennedy havia se infiltrado na KKK e repassava as informações para os produtores do programa de rádio que usavam esses dados sigilosos para compor o roteiro da rádio novela.

3) Existe um boato de que a aclamada série Seinfield possui uma referência do superman em quase todos os episódios.
Todas essas referências, encontram-se no site “seinology”. Algumas delas são: tem um imã do Super-Homem colado na geladeira visível de todos os ângulos da cozinha, tem uma estatueta do Super-Homem atrás do som visível da maioria dos ângulos do apartamento e os personagens frequentemente usam termos como “Kryptonita”, "Lex Luthor", “Fortaleza da Solidão”,  “Os Bizarros”, Jimmy Olsen, Aquaman, Homem-Elástico, Homem-Plástico, Lois Lane.

Concluindo: ele não é o número um na minha lista de favoritos, mas na minha opinião, o homem de aço é o maior herói de todos os tempos e ao contrário do que muito hoje se fala, é O MAIS HUMANO.
Nas palavras de Grant Morrison:
“Somos todos super-homens em nossas próprias aventuras, temos nossas próprias fortalezas da solidão para onde nos retiramos, temos nossas próprias coleções de coisas especiais que valorizamos, nossos próprios super animais de estimação, nossas próprias cidade engarrafadas que nos sentimos culpados por negligenciar. Temos os nossos próprios colegas e rivais e Bizarros emaranhados emocionais e amorais que temos que lidar.”
Ainda bem que eu não usei os adesivos do superman do meu antigo caderno.
Tô pensando em algo muito loco pra fazer com eles...
Tipo...
Colar!
Em...
Algum lugar...

Enfim, que venha o novo filme do superman!










¹ PRESSFIELD, Steven. Portões de fogo: um romance épico da Batalha das Termópilas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001

² Superman: Red Son


3 Coleção DC 70 anos: As maiores histórias do Superman. 1º volume. Editora Panini Comics. 2008

4   

Um comentário:

  1. Gostei muito. Traduz boa parte do que eu penso a respeito Superman. É um dos meus heróis preferidos e acho que sempre foi meio injustiçado pelo público em geral. Espero ansioso pelo novo filme. E acho que seria legal você ler Superman: Paz na Terra, uma das melhores obras do personagem, tanto no que diz respeito à arte quanto à roteiro. Humaniza bastante o Superman, além de ter a arte do Alex Ross, que é um show à parte.

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