Quando o Irã aparece
nas mídias, via de regra é sobre ameaça terrorista, rixa com Israel ou com os
EUA, conflitos internos, violação aos direitos das mulheres...
A gente acaba acreditando
que os iranianos são todos uns religiosos extremistas e alienados que vivem
gritando e brigando uns com os outros.
Ah... o Irã não
é só isso. O Irã tem gente visionária interessada em mudar a realidade do seu
país, tem Pasárgada1 (onde
o Manuel Bandeira é amigo do rei, onde ele terá a mulher quiser, na cama que escolherá...) tem petróleo e tem ... ~BONS
QUADRINHOS~ !!
A HQ Persepolis
de Marjane Satrapi, é um sucesso há mais de seis anos. Ganhou prêmios em feiras
de comics, depois angariou o laurel de melhor história em quadrinhos na Feira
de Frankfurt.em 2004 (o que não é comum para um quadrinho que ganha prêmio em feira
de comics). E o sucesso foi tanto, que a Sony decidiu transformar o quadrinho
em filme de animação e este também recebeu diversos prêmios, inclusive o Prêmio
do Júri no Festival de Cannes (outro incomum: um quadrinho que virou desenho
ganhando prêmio em Cannes). Persépolis é autobiográfico e relata a infância e
a adolescência da autora, no Irã dos anos 80, em meio à revolução xiita (guerra
entre o Irã e o Iraque) que impulsionou a ditatura fundamentalista no país.
O relato dela é
incrível! ela conta parte da história do seu país sem ser chata, acadêmica ou
formal e quebra vários paradigmas sobre a nossa visão da cultura oriental,
posto que, ela foi uma adolescente como tantas outras no mundo, em busca de
autoconhecimento e oprimida pelo meio em que vivia.
Marji era uma
menina muito esperta e amada pelos seus pais e pela sua avó. Era fã de Bruce
Lee e tudo o que queria era usar um tênis Nike, depilar as pernas e poder
escutar Iron Maiden, porém, vivia em uma sociedade em que as meninas tinham que
se cobrir dos pés a cabeça, não podiam namorar e nem utilizar coisas que
lembrassem a cultura ocidental. No final ela sofre com a morte de pessoas
queridas na revolução e sofre também quando saí do país para poder se tornar
uma mulher livre e emancipada, mas supera tudo isso e samba na cara da
sociedade ao som de “eye of the tiger”
Além do Irã que acaba sendo
um “personagem oculto”, a história abrange também outros temas, como:
crescimento pessoal, liberdade, amores, ilusões, raízes, comprometimento,
lealdade, etc. E tem uma pitada de feminismo, mas sem a pretensão de ter.
Em suma: ao
mesmo tempo que ela se assemelha por ser uma típica adolescente, ela se
diferencia por causa da cultura, o que permite ao leitor se identificar com ela
e se indignar com o que ela passa ao mesmo tempo.
Ano passado, foi
lançada a graphic novel “O Paraíso de
Zahra” escrita por Amir e ilustrada por Khalil que inicialmente publicaram-na
em um blog, com tradução para vários idiomas antes comercializar a versão impressa.
O contexto político é
importante para entender a origem de O Paraíso de Zahra, por isso eu acho
interessante ler a obra da Marjane antes, porque Persépolis têm como pano de
fundo a revolução de 1979, que estabeleceu a atual república islâmica e O
Paraíso de Zahra – apesar de ficcional- relata a real insatisfação do povo
iraniano após 30 anos deste regime, mostrando que eles chegaram ao limite,
anseiam por mudanças e estão se preparando para lutar por ela.
A história é narradora
por Hassan, que junto com sua mãe Zahra, está em busca de seu irmão Mehdi, um
jovem de 19 anos que sumiu durante um dos protestos contra as eleições
presidenciais do Irã. Esta busca desesperada é relatada num blog, o
"Paraíso de Zahra" ou “Zahra's Paradise” (que também é o nome de um
cemitério próximo à cidade de Teerã, um dos principais do país).
O protesto em questão
é aquele ocorrido em 2009, onde Aiatolá Ali Khamenei valida a eleição de
Mahmoud Ahmadinejad, mesmo sob sérias acusações de fraude, incluindo a dos
órgãos internacionais que fiscalizaram as eleições. Neste dia, milhares de
pessoas foram presas, muitas nunca mais foram vistas, outras foram mortas e
tudo isso foi divulgado para o mundo viaTwitter e YouTube.
No enredo da história
vemos rapidamente a morte de uma jovem chamada Neda, que faleceu durante os
protestos. Ao final da HQ há um texto que explica a história real dessa moça,
cuja agonia e morte foram gravadas de um celular, o vídeo foi postado no
youtube e tornou-se um viral na internet .
O poder da divulgação
em rede foi magistralmente relatado na obra. Estas manifestações contra as
eleições de 2009 foram massivamente documentadas e pode ter evitado algumas
mortes.
Conclusão: Hqs iranianianas são uma coisa linda de Alá.
Conclusão parte II: as vezes a gente vê as coisas que
acontecem no Oriente Médio e pensa “que bom que essas coisas não acontecem
aqui”, “que bom que somos um país livre” “por mais que a situação esteja ruim,
pelo menos no nosso país não temos que usar burca e podemos assistir o que
quiser na TV”
Claro que temos sorte por vivermos num país tranquilo e parcimonioso
e não passarmos por certas coisas, mas, por outro lado, talvez na nossa maior
qualidade resida nosso maior defeito.
O brasileiro é adaptável demais, para o bem e para o mal.
Diferente dos iranianos, que, quando precisam defendem
seus ideais com a própria vida, nós temos horror ao conflito.
Queremos ser amados e resolver tudo na boa e nisso
valores, conceitos, gostos, discursos políticos... vão sendo facilmente
empurrados goela abaixo pelo topo da pirâmide social.
Não leve a mal, eu amo meu país, mas não dá para negar
que não temos tradição, somos influenciados pelos EUA, nossas comidas típicas
vieram dos negros e índios... Enfim, nos falta estilo, nos falta personalidade,
nos falta coragem pra dizer não para o que não queremos.
Tínhamos futebol. Hoje acho que nem isso.
Temos um sistema de saúde gratuito, em contrapartida temos
lugares onde não tem nem energia elétrica.
Lá fora, os estrangeiros acham que vivemos pelados,
pulando carnaval o ano inteiro e moramos numa favela no meio da floresta
enquanto, na verdade, importamos quase todo o american way of life do Tio Sam e
nos transformamos em americanos nascidos no Brasil: gostamos mais dos livros
americanos -os Harry Potters, Jogos Vorazes e Crepúsculos da vida- , compramos
coisas no Amazon, comemoramos Halloween e St. Patricks Day, adoramos big mac,
escutamos Beyonce, compramos carros com air bag, somos fãs de The Big Bang
Theory...
É irônico como amamos profundamente a América e eles nem
sabem como verdadeiramente somos.
E quem somos? somos uns filhos da mãe que amamos justiça,
mas não gostamos de lutar por ela. Expulsamos os índios, os verdadeiros donos
dessas terras, impusemos a eles a cultura européia como se fosse melhor,
misturamos nossas raças, nossa identidade se fundiu com a dos novos colonizadores
e o resultado foi que tudo que nos faz únicos hoje é a nossa mistura racial,
nossa falta de cultura particular e nossa facilidade de se influenciar.
Enfim, é passada a hora de vermos que existe coisa boa
fora da América e que nós também somos bons.
OIrã, repressor
do jeito que é, faz filmes premiados no Festival de Cannes, tem os tapetes mais
famosos do mundo e os bancos não cobram juros... (sem contar as duas HQs que eu
supra analisei)
AÍndia, miserável
do jeito que é, tem sua própria industria de cinema -a “Bollywood”-, produz
industrialmente tecnologia de ponta e é a número um em cientistas
importantes...
E se essas duas nações de recursos e liberdade de
expressão tão limitados conseguem enaltecer-se perante o mundo sendo elas
mesmas, eu sinceramente espero mais do Brasil.
Conclusão parte III: Apreciar a cultura estrangeira, sim.
Submeter-se a ela, não.
Em tempo: O vídeo supra postado é do filme Persépolis, no momento
que a Marji canta “Eye of the Tiger” desafinada, charmosa e dhéja.
1
Referência ao poema de Manuel Bandeira chamado “Vou me embora pra Pasárgada” do livro "Bandeira a Vida
Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro,
1986, pág. 90
Dia 30 de janeiro (que já passou faz tempo) foi o “Dia do
quadrinho nacional”
(Levanta a mão quem acha que devia ser feriado? \o/)
É celebrado nesta data porque no dia 30 de janeiro de 1869,
estreou a primeira história em quadrinhos brasileira e uma das mais
antigas do mundo no jornal “Vida Fluminense”: a série “As aventuras de Nhô
Quim, ou Impressões de uma viagem à corte” do autor ítalo-brasileiro Angelo
Agostini (1843-1910).
Agostini foi o grande precursor da HQ no Brasil e um dos pioneiros
no mundo e seu nome serviu de inspiração não só para o Dia do Quadrinho
Nacional, mas também para o Prêmio Angelo Agostini, concedido anualmente pela
Associação de Quadrinistas e Caricaturistas de São Paulo aos melhores do ramo.
No dia 02 de fevereiro deste ano, a Gibicon e o livro Last
RPG Fantasy foram premiados com o troféu Ângelo Agostini. (a quem interessar
possa: A Gibicon é a Convenção Internacional de Quadrinhos de Curitiba e o
livro Last RPG Fantasy é um livro-jogo em quadrinhos, ideia dos amigos Yoshi,
Keiichi e Saito e foi financiado por 196 pessoas através do site catarse http://catarse.me/pt/last-rpg-fantasy-livro-jogo)
Lendo o jornal Gazeta do Povo descobri que Curitiba comemora
o dia dos quadrinhos com um evento na gibiteria Itiban Comic Shop e morri de
inveja dos curitibanos. E mais: nesse evento reúnem-se para debater as novas
publicações independentes, alguns dos mais ativistas quadrinistas curitibanos
(sim, existem HQs feitas em Curitiba e há muito tempo. Curitiba teve até uma
editora de quadrinhos nos anos 80: a finada Grafipar)
Ou seja, ~para nossa
alegria~ muita coisa boa está sendo produzida na seara independente (por
independente entenda-se: autores que criam e comercializam suas próprias
revistas e livros, que batalham um espaço que não existe nas editoras
convencionais, muitas vezes financiando do próprio bolso suas publicações) dois
exemplos disso é a Quadrinhópole que começou como revista mix com HQ de vários
autores e hoje evoluiu para um dos mais interessantes portais de webcomics
nacionais e a HQ “Revolta” do André Caliman que eu estou lendo. Posso até
contar um pouco o enredo sem correr o risco de dar spoiler porque a HQ está em
construção. Isso porque “Revolta” não tem formato de revista, foi lançada na
web em outubro de 2012 e a cada mês o autor disponibiliza um capítulo no site.
Até agora tem 4 capítulos.
O cenário que André Caliman escolheu para sua história não
só é brasileiro, como é paranaense e a temática é a política e a corrupção,
transmitindo uma forte relação com o momento histórico atual e o sentimento
partilhado da sociedade brasileira de descontentamento com o poder público. Digo
“não só é brasileiro, como é paranaense” porque faz toda a diferença ler uma
historia com regionalismos e referências que você entende (nomes fictícios de
políticos parônimos aos nomes dos políticos reais, noticiários de TV, palavrões
comuns utilizados por paranaenses, etc.), é instigante quando o local que se
passa a história é no estado que você mora, numa cidade que você conhece e a
linguagem é a mesma que você usa no cotidiano. Lendo a “revolta” você sente familiaridade...
Alguns diálogos parecem o tipo de conversa que você tem com os colegas de
trabalho, ou com o seu vizinho enquanto espera o ônibus.
Pelo menos pra mim que moro no interior do Paraná, mas estou
acostumada com comics americanos da Marvel e DC, essa proximidade é diferente e
fascinante.
Tudo começa com cinco amigos (Caboclo, Topete, Animal, Rato e
Chéps) que estão alegremente conversando e tomando cerveja no bar Chinasky de
Curitiba, enquanto assistem os noticiários na TV.
E a notícia era: “O
governador do estado do Paraná acaba de ser assassinado em seu próprio
gabinete! Vamos ao vivo direto do Centro Cívico de Curitiba, César...”
Ninguém sabia quem era o assassino, mas Roberto Aragão, o
governador, era uma pessoa pública tão conhecida quanto desonesta.
O assassino pareceu ganhar certa simpatia porque seu crime
não foi ato isolado de barbárie e sim de revolução, como ficou provado posteriormente
com a divulgação do bilhete que ele escreveu e deixou junto ao corpo do governador,
explicando que aquilo não se tratava da morte de um “cidadão altamente
dispensável” e sim de uma revolta pessoal contra essa “democracia ilusória”, sob
a qual se baseia nossa sociedade e que acoberta anos de mentiras, roubos e
descaramento por parte dos representantes. O bilhete ainda encoraja os cidadãos
a partilharem do seu desejo de mudança e termina afirmando que esse ato de
revolta era iminente. “Era só uma questão
de tempo. Era só uma questão de coragem. Hoje começa a revolta.”
Ao sair do bar Chinasky, os cinco amigos acabam topando com
o assassino do governador ferido por balas de revolver, disparadas pelo segurança
do governador. Animal propõe levá-lo para um hospital, mas o homem se recusa e pede
que o levem para sua casa, onde acaba morrendo. Lá, na casa dele, encontram um arsenal
de armas dentro do sofá, uma “lista negra” no computador sobre políticos
envolvidos em esquemas ilícitos, acompanhada de um plano contendo como, quando
e onde matar cada pessoa daquela lista e por último a ficha de cada um deles
cinco ali presentes, dentro de um envelope, deixando subentendido que o
revolucionário facínora tinha esperança que eles continuassem o que ele começou,
ao que mais tarde Caboclo, Topete, Animal, Rato e Chéps convenceram-se a fazê-lo.
~Enquanto isso, na
polícia federal~ o detetive Amendola começa a investigar a morte do
governador Roberto Aragão.
O próximo da “lista negra” era um deputado corrupto que
pagava e recebia propina em troca de votos, chamado Roberto Carlos Brando, que
deveria ser assassinado no dia 24 de dezembro de 2012. Cumprindo a lista, Caboclo, Topete, Animal, Rato e Chéps vão até o Porto de Paranaguá na data prevista,
onde se encontrava o governador comendo caviar e tomando champanhe em seu iate
“Brutus” acompanhado de uma prostituta.
Invadindo o iate, Topete, Animal e Rato seguram a prostituta
e Caboclo aponta a arma para matar Roberto Carlos Brando, todavia, ele não consegue
atirar. Chéps intervém e atira no deputado em seu lugar, mas, acaba tendo uma
parada cardíaca por conta de uma overdose e é levado ao hospital.
Detetive Amendola é chamado para analisar a cena do crime e
o assassinato do deputado é divulgado nas emissoras de TV.
Os feitos dos cinco rapazes de Curitiba chega à conhecimento público através da divulgação da mídia.
No dia 19 de fevereiro, Topete atira em Mario Américo no desfile da escola de samba de Curitiba, conforme o planejado.
Chéps não estava presente na ocasião porque encontrava-se ainda debilitado e nem Caboclo, que estava hesitante e inseguro devido ao seu fracasso no assassinato de Roberto Carlos Branco no iate e também havia passado a se questionar se o que estavam fazendo era mesmo certo.
Em meio a isso tudo, através de fragmentos de flashbacks, um pouco da história de cada um dos cinco amigos vai sendo revelada (Chéps, um jovem humilde, funcionário de um açougue, que encontra nas drogas a fuga da vida angustiante que leva... Caboclo, um educador, conhecedor de história e de arte, que tenta compartilhar desse saber com seus jovens pupilos...)
E assim termina o capítulo 5.
Achei interessante desde a ideia até a forma de divulgação. Uma
vez que o nome é “revolta” faz lembrar que a maioria das “boas revoltas” começaram
assim, com corajosas iniciativas independentes. Tipo as 95 teses de Lutero
pregadas na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, também os músicos da
época da ditadura militar brasileira, que driblavam a censura usando linguagem
ambígua e chamavam a população para a luta armada contra os ditadores através
das letras de suas músicas, etc.
Alerto que minha precária sinopse não faz jus a delícia que
promete ser essa obra, nem a sensação de “nossa!” ao final de cada página,
adjunta à ansiedade de querer ler mais.
Há que se ressaltar que as produções independentes devem ser
valorizadas porque é de fundamental importância para a cultura nacional,
principalmente porque o seu acesso é mais fácil e fomenta a diversidade
artística sem perder qualidade e originalidade.
To ansiosa pra ler o próximo capítulo da “Revolta”. Quem
sabe o prefeito de Cascavel esteja na “lista negra”? Certamente gastar todo o
dinheiro público na sua campanha eleitoral e endividar a prefeitura tendo que aumentar
o valor do IPTU, o preço do transporte público, cortar o salário dos funcionários,
deixar os professores sem reajuste salarial, postos de saúde abertos somente
até as 13 horas, já são motivos suficientes.
Depois que eu escrevi um post de seis páginas (eu vou
aprender a escrever menos) sobre o americano Superman, pensei: Porque não
escrever sobre o belga Tintim?
Nada a ver uma coisa com a outra, só quis começar o post
assim.
Tintim é hipster, é difícil ver fãs dele.
Não porque é ruim, é que ninguém conhece mesmo. E até quem
gosta, muitas vezes nem sabe dizer o porquê.
Eu cheguei a ler algumas edições dos quadrinhos, mas só fui procurá-las
depois que comecei a assistir os desenhos do Tintim (e só comecei a assistir os
desenhos porque passa antes do Dr. Who)
Para conhecer o Tintim, o mais fácil é sintonizar na TV Cultura
ali pelas seis e pouco da tarde, onde passa durante a semana o desenho animado,
ou assistir o filme do Spilberg que saiu ano passado. Os quadrinhos são muito
difíceis de encontrar e não são mais produzidos desde 1983, porque o seu criador,
o famoso repórter/quadrinista, belga/francófono Hergé (apelido de Georges
Prosper Remi, também conhecido como “Walt Disney europeu”), faleceu em 1983 e
não queria que ninguém “adotasse” o personagem.
A obra do Hergé supra mencionada se chama “As aventuras de
Tintim” e tem como personagens mais significativos:
Tintim: um garoto
de 16/17 talvez 18 anos, cabelo castanho claro com um característico topete
estilo calopsita e rosto de bolacha traquinas.
Normalmente veste camisa pólo azul piscina de gola branca e
uma calça cigarrete cor cáqui que sensualmente deixa aparecer metade da sua
meia ¾ preta. Porém, ele pode variar o figurino de acordo com a região do mundo
que está e se vestir pior ainda.
Trabalha como jornalista (para onde ou para quem ele
trabalha é uma incógnita, inclusive acho que ele criou suas próprias regras de
jornalismo, porque o que ele escreve parece um diário de viagem)
Não tem lar, não sente fome ou sede, não se apaixona, não
erra e adora dar uma lição de moral nos seus adversários em todo final de
história. É um herói absoluto, de caráter e reputação ilibada, amante da
verdade e da razão, além de nobre, audacioso, inteligente e perspicaz por excelência.
A inteligência dele é uma coisa muito chata... ele sempre
está envolvido em algum caso de investigação criminosa ou conspiração política
e aí ele vai perguntando coisas pra um e pra outro indivíduo, ligando os pontos
e no final acaba desvendando todo o mistério da história só com seu raciocínio
dedutivo, de modo bem previsível. Estilo Scooby-Doo.
Detalhe: ele sempre acaba amarrado por alguém mais ou menos
no meio do episódio e o Milou (seu cachorro) o solta.
Milou: É o
cachorrinho Fox Terrier branco do Tintim.
Aliás, cachorro de estimação só, não... ele é o parceiro do
Tintim. O Robin dele.
Todo episodio ele o salva ou avisa de algum perigo.
É corajoso, leal, inteligente, aracnofóbico e chegado num
whisky “Loch Lomond”. Nos quadrinhos ele “conversa” com o leitor através dos
balõezinhos de pensamento (onde
percebe-se que ele é até mais racional que o Tintim)
O mais legal do Milou é que o mundo pode estar acabando, mas
ele está sempre acompanhando o Tintim.
É por causa dele que eu assisto e leio As aventuras de
Tintim. É o meu personagem favorito. Eu me identifico com ele e não com o
protagonista... Não me surpreende nem me encanta a sagacidade e a inteligência
do Tintim, mas a parceria e a lealdade do Milou sim.
Capitão Archibald Haddock:
Um marinheiro rabugento, beberrão, que fica bravo com frequência, se decepciona
fácil e tem péssima memória... porém, possui um coração muito bom.
É o mais simpático dos personagens. Cheio de defeitos
humanos e sem nenhuma ambição a super-heroi enfadonho que nunca erra, nem peca.
O que eu acho bonito é que ele é a antítese do Tintim e ao
mesmo tempo seu melhor amigo.
Professor Trifólio Girassol:
Cientista, gênio, inventor que toda história tem que ter.
E também é surdo...
Os Dupondt: Parecem
gêmeos mas não são. Dupond e Dupont são dois agentes da Interpol extremamente
estúpidos e atrapalhados.
Bianca Castafiori:
uma cantora de ópera que o capitão Haddock despreza.
Sobre a ideologia:
Algumas edições da “As aventuras de Tintim” são objeto de
muita controvérsia e polêmica.
Existem pessoas que acusam Hergé de propagar a violência, maus tratos com
animais, colonialismo, anti-semitismo, racismo, nazismo, fascismo e até
misoginia (quase não aparece mulheres na série). E outras que o defendem
dizendo que foi ingenuidade do autor, que ele só fazia o que mandava o chefe
dele, que ele pensava do jeito que todos pensavam na época, etc. Mais tarde ele
se defendeu dizendo que não conseguia escapar de alguns preconceitos, devido
suas origens sociais e chegou a reescrever muitas das suas obras.
A campeã de críticas e polêmica foi “Tintim no Congo”, que é
uma obra bem racista onde, dentre muitos erros, representa os africanos como
seres ingênuos e primitivos (até a forma como foi desenhado os africanos é meio
ofensiva). A comissão pela igualdade racial conseguiu que sua comercialização
fosse proibida em 2007 e no mesmo ano um estudante congolês apresentou uma
queixa em Bruxelas alegando que a obra é um insulto a seu povo.
Atitude essa, tão “super hiper politicamente correta” que acaba
sendo incorreta porque nessa linha de raciocínio teríamos que parar de
comercializar a Bíblia também, alegando que é uma obra preconceituosa com as
mulheres e os homossexuais.
Na minha opinião, a ficção não tem esse poder todo, nem a
transferência dos exemplosé tão
automática assim. O fato de eu ler uma história de ficção não significa que vou
sair por aí reproduzindo um comportamento da ficção. Se fosse assim, bastava
escrever livros com histórias boas e puras para que construíssemos uma
sociedade perfeita.
Hergé era conservador e direitista, nunca negou.
Talvez esse seja o motivo do personagem Tintim ser tão a
favor da obediência as regras e a ordem estabelecida, todavia, este mesmo personagem também ajudava os menos
favorecidos e muitas vezes tomava partido deles.
Há que se considerar que Hergé viajava muito, pesquisava
para fazer as historias do Tintim e realmente respeitava as culturas
não-européias, mas não pode se perder de vista que a obra dele é fruto de um
momento histórico, então é natural que reproduza algumas características do
senso comum da época em algumas de suas obras. Ademais, Hergé não é o primeiro
a ser recriminado devido a reproduzir em certo momento a ideologia da época e nem
vai ser o último. Com Monteiro Lobato (cujos livros “Caçadas de Pedrinho” e
“Negrinha”, chegaram a ser alvo de movimentos sociais para que não fossem mais
destruídos nas bibliotecas do Brasil) e Jorge Luis Borges (poeta, tradutor,
ensaísta, crítico literário e uma das pessoas mais importantes da literatura na
América Latina, também tido como racista, aristocrata, elitista e favorável à
ditadura na Argentina) aconteceu a mesma coisa.
O que é certo hoje pode ser errado amanhã, novos “certos” podem
surgir. Doravante, alguém pode, por exemplo, falar que o escritor uruguaio
Eduardo Galeano -que é tão “pop” atualmente- tem preconceito contra os
católicos por conta de alguns dos seus textos e é direitista por ter sido
contra o impeachment do ex-presidente do Paraguai e por falar bem do Obama, sei
lá, tô inventando...
Como diz aquele ditado chinês: Não se deve jogar a água suja
da banheira com a criança dentro.
Sobre o legado de
Hergé:
O bom em “As aventuras de Tintim” é que o personagem induz a
uma curiosidade geográfica.
O enredo é ambientado em países de quase todos os
continentes e até fora do planeta, é muito rico em detalhes das culturas, dos
lugares e de referências históricas, o que dá a impressão de estar se fazendo
uma volta ao mundo com o personagem e aprendendo coisas com ele.
Mas como herança mesmo, Hergé deixou a popularização do
estilo de desenho chamado Ligne Claire (linhas claras/democracia de linhas). É
aquele tipo de desenho com linhas fortes, traços fortes (com mesma espessura e
importância), cores fortes e sem sombreamento.
Andy Warhol utilizou o estilo Ligne Claire e produziu uma
série de pinturas tendo Hergé como tema, bem como Roy Lichtenstein também criou
pinturas baseadas em fragmentos das histórias de Tintim.
Sobre “As aventuras
de Tintim e o segredo do Licorne”:
Spielberg conheceu Hergé em 1983 enquanto estava filmando
Indiana Jones e conseguiu a permissão dele para fazer um filme do Tintim. Três
meses depois Hergé faleceu e Spielberg teve o perfeccionismo de esperar mais de
20 anos para que o cinema inventasse a tecnologia em animação para produzir um
filme com as cores e movimentos que ele queria.
Não gostei muito do filme, porém não tenho o que criticar.
Mas houve críticas. Principalmente daquele tipo de fãs que sempre
cobram dos diretores de cinema uma fidelidade radical à obra que foi adaptada,
que, na minha opinião, não precisa haver. Teve quem dissesse que foi um estupro
a obra de Hergé lá no jornal britânico The guardian.
Particularmente também me incomodei que o nome do Milou no
filme era Snowy.Até nos desenhos
animados continua sendo Milou, não sei porque no filme eles colocaram o nome
americano que deram pra ele nos quadrinhos. Todavia defendo que fazer um filme
não é copiar um livro usando imagem. É claro que é normal comparar a obra (livro/comic/mangá/etc)
com o filme quando se trata de adaptações, mas muita calma nessa hora.
Dizer que um livro é melhor que o filme, é o mesmo que dizer
que chocolate é melhor que lazanha. Acredito que deve-se apreciar o prazer de assistir um filme,
independente do outro prazer, o de ler um excelente livro e que antes de julgar
uma adaptação como boa ou ruim deve-se ter em mente que são duas formas de
expressão diferentes e que cada qual tem sua especificidade e seu valor.
Sobre a conclusão:
Enfim, eu gosto mais dos desenhos animados do Tintim do que
do filme ou dos quadrinhos.
Achei que seria digno falar de personagens bonzinhos, pois o
underground tá tão mainstream que é perigoso eles entrarem em extinção.
Se me perguntarem, eu também digo que prefiro os vilões, os
revolucionários, os “faca na caveira”, os errados... e já gostava antes de ser
modinha. Sempre me causou mais comoção o motivo que levou pessoas normais a se
transformarem em vilões do que a predisposição genética dos mocinhos em serem
bons. Também me cativa um cenário menos burguês e mais favelado.
Mas bem como não dá para não ler Adam Smith só porque é
marxista, não dá para negar que as aventuras do Tintim são boas só porque ele é
um burguesinho chato que nunca tá errado.
Ele é didático, é pioneiro numa certa forma de desenho, é uma
celebridade na Bélgica (tendo um museu só pra ele) e é/foi inspiração para
muitos quadrinistas e outros artistas.
Se eu fosse professora de geografia da quinta série eu
usaria um desenho animado ou quadrinhos do Tintim em algumas aulas como recurso
didático...
Nada a ver uma coisa com a outra, só quis terminar o post
assim.
Não é bom quando a gente encontra trezentos mil num casaco
antigo? Dizia um tweet do Eike Batista.
Eu, como sou pobre e azarada, vou procurar dinheiro, acho um
caderno de segundo grau antigo.
Minha única alegria foi ver que ele ainda tinha os adesivos
do superman intactos!
Folheando as primeiras páginas do caderno, li que meu ex
professor de história me ensinou que o “heroísmo romântico” nasceu com Ilíada e
Odisséia por quatro razões.
Uma delas era a narração mítica e as outras eu não anotei.
Nunca li (e acho que nunca vou ler) Ilíada e Odisséia, mas
já li os resumos e assisti o filme com o Brad Pitt e pelo que entendi é mais ou
menos assim:
Ilíada relata a saga do herói Aquiles, filho de uma deusa e
um mortal, que engendrou a Guerra de Tróia, na qual ele mata Heitor, o filho do
rei de Tróia. Tudo porque o príncipe Páris (irmão do Heitor) resolveu dar uns
pegas na Helena que era mulher do rei Menelau.
Odisséia narra as dificuldades e tormentos da guerra de
Tróia que enfrentou Ulisses, rei de Ítaca (entre elas passar sete anos
fornicando com a ninfa Calipso) e seu retorno para casa (depois de dez anos
!!!) onde o espera ansiosa e amorosamente sua esposa, Penélope (depois de dez
anos ???)
A partir de Homero o mundo não parou mais de escrever
histórias de heróis, conflitos e aventuras baseadas na sociedade e no tempo
histórico que vivem.
Até que um dia criaram o superman e depois dele todos os
outros heróis modernos.
Mas nesses tempos de valorização do vilão, do anti-herói, do
revolucionário, dos “vida loka”, do sombrio, do “dark side” e dos “cinqüenta
tons de cinza”... anda meio fora de moda o bom e velho herói que veste a cueca
vermelha por cima do colan azul.
Não raro, o superman é até criticado por ser irreal,
“perfeitinho demais”, mauricinho, convencido, invulnerável.
Sem contar que esses dias eu fui comprar um caderno novo e
não tinha do Superman. Só tinha do Batman (sem adesivo).
Confesso que eu tive meus preconceitos quanto a essa
invencibilidade dele ...
Como o espartano Dienekes¹ fala: “Se todos tivéssemos as capacidades dos deuses, medrosos
seriam tão raros quanto penas em peixes!”
E é verdade, ver o Superman enfrentando raios, meteoritos,
explosões, etc. etc., sabendo que ele sairá ileso não causa muita emoção...
Porém, boa parte desse superman é obra dos equívocos
editoriais da DC e creio que quem ler outras HQs como Crise nas terras
infinitas (Marv Wolfman), All Star Superman (Grant Morrison), ou o meu
preferido “Superman:
Entre a Foice e o Martelo”² escrita por Mark Millar (nessa
minisérie ao invés do foguete de Kal-el cair na América capitalista, ele acaba
caindo na Rússia comunista de Stalin, o uniforme dele é cinza e vermelho e ao
invés do “S” no peito, o símbolo é um martelo e uma foice) eventualmente vai
acabar abrindo o coração e valorizando esse quase esquecido super-herói.
Eu insisto em dizer que todo herói moderno é uma releitura
do superman.
Kal-El pode não ter sido o primeiro, mas foi referência pra
esse tipo de herói.
Copiando a didática do meu professor do segundo grau, tenho
quatro tópicos para defender a primazia do homem de aço:
1)Super-Übermensch
Vou chutar que cerca de uns 80% dos heróis mais célebres são
órfãos.
Não sei se é coincidência ou fruto de uma pesquisa de
marketing...
Todo mundo adora ouvir a história de um coitado que não tem
pai, ou mãe, ou os dois e se torna poderoso.
Quem não é órfão se comove, quem é se identifica.
(e ambos sonham em receber uma cartinha de Hogwarts)
A realidade é que nem todos os pais adotivos são Martha e
Jonathan Kent, tem o Know-how de como educar um filho e estão realmente
preparados para integrar outra pessoa a família. A maioria pensa que “amor para
dar” é o suficiente e na prática não fazem a menor idéia do que estão fazendo.
Pais adotivos também não são por consequência pessoas altruístas,
benevolentes, ajustadas e preparadas. Eles podem ser imaturos e carentes, sem
contar que muitos deles desejam um filho para ter alguém em quem depositar amor
e receber de volta, ou para ser um “herói” e assim acabam superestimando e
enchendo de expectativas a pessoa que adotou, desconsiderando que seu filho é
um individuo que não vai necessariamente seguir o roteiro que eles criaram e
não vai ser a solução para o vazio interior que a carência deles criou.
Ainda que sejam pais perfeitos e por mais que haja amor em
família, a falta dos pais biológicos é uma ferida que sara, mas a cicatriz
permanece, mesmo que inconscientemente, bagunçando a psiquê do indivíduo. E se ele
não for adequadamente bem criado e preparado para superar isso, a carência
afetiva durante a infância pode conduzir a uma deterioração integral da
personalidade.
Sorte do menino Kal-el que foi criado pelos melhores pais
adotivos desde José e Maria, os pais de Jesus Cristo.
O mérito da perfeição de caráter dele, contudo, não deve ser
só dos Kent.
Tem muito mais filho adotivo e filho biológico com pais
perfeitos mas que estão perdidos na vida do que se possa imaginar.
Assim sendo, Kal-el é o principal responsável pelo seu
carater, um dos motivos pelos quais ele merece o adjetivo de super.
Sabemos que cada pessoa é diferente e existem formas de se
lidar com os problemas, minimizando-os até sumirem, mas é difícil alguém com ou
até sem esse fardo emocional, construir uma personalidade quase indefectível e
que saiba lidar com as dificuldades da vida de maneira imparcial, justa e
lógica.
E não só o superman, mas muitos outros heróis possuem uma
perfeição que não é humana (nem Kriptoniana) e caráter imaculado demais pra ser
verdadeiro.
Mas tá certo, né? pra ver a realidade lê-se o jornal, a
gente recorre a ficção é pra sonhar mesmo.
Por isso que eu digo: ele é perfeitinho demais? Até é.
Merece ser criticado por isso? Eu acho que não.
Palavras da minha amiga Vanessa (fã de Smallville) sobre a
perfeição do superman: “Ele se fudeu
muito na vida até amadurecer e se tornar quem ele é”
Eu concordo. A mensagem que ele transmite para mim é essa:
no pain, no gain.
Quanto maior a dificuldade, mais gratificante é a superação.
Quanto maior a superação, maior a força adquirida.
E quanto mais forte se fica, mais forte se é.
Isto posto, a mensagem que o superman passa através da
perfeição de pessoa que é o Clark Kent é que todos temos problemas e que
independente disso qualquer pessoa pode ser bem-sucedida; desde que de alguma
forma ela cure suas feridas, supere a si mesmo e se faça correta pela sua
própria vontade.
Nietzsche também falou de um superman (Übermensch) na sua
obra “Assim falou Zaratustra”, mas, o superman do Nietzche não é “super” porque
tem superpoderes... Para ele um superhomem é qualquer homem que consegue superar
a si mesmo e se fazer grande.
Uma vez que no Superman da DC coexistem as duas coisas
(superpoderes e superação), pra mim ele é duas vezes super.
Acho válido mencionar que o ”S” no uniforme dele não é de
“super” é o brasão da família El. A Louis Lane que assimilou o símbolo a letra
S do alfabeto latino e pensou: “Ah,
entendi! S... Superman...”
Essa explicação é a que eu mais gosto, mas não é dos
quadrinhos da DC, é idéia do Marlon Brando que fez o Jor-el no filme Superman
de 1978.
Nos quadrinhos atuais esse “S” é o símbolo kriptoniano para
“Esperança”
2) Lar é onde está seu coração
Criado por dois judeus (Joe Shuster e Jerry Siegel), filhos
de imigrantes, a primeira edição do superman foi publicada no dia 1 junho de 1938.
E o mundo precisava desesperadamente de um herói que
trouxesse esperança nessa época, principalmente os judeus.
Cinco meses depois do lançamento do Superman, no dia 09 de
novembro de 1938, em diversos locais da Alemanha e da Áustria, nazistas
destruíram todas as lojas, habitações e sinagogas judias.
Naquela noite, 91
judeus foram mortos e cerca de 25.000
a 30.000 foram presos e levados para campos de
concentração. 7500 lojas judaicas e 267 sinagogas foram reduzidas a escombros e
esse evento foi conhecido como “Kristallnacht” (noite dos cristais).
O Planeta Terra era oficialmente um lugar de injustiças, violência,
crime, abuso de poder, etc.
Se Shuster e Siegel estivessem focados e ressentidos sobre o
que há de errado nesse mundo por causa dos horrores que o nazismo causou ao seu
povo e também desesperançados quanto à um futuro melhor, eles teriam criado o
Dr. Manhattan ao invés do Superman.
Digo isso porque Dr. Manhattan (whatchmen), que foi um homem
comum chamado Jon Osterman antes de ficar azul e superpoderoso por conta de um
acidente em uma câmara de testes durante um experimento de física nuclear, começou
a não gostar mais do lugar onde vivia, se tornou alheio à assuntos humanos, incapaz
de interagir com outras pessoas e foi embora da Terra indo morar na lua.
Ora, se você não nasceu nesse planeta e consegue sobreviver
sem transformar gás carbônico em oxigênio, por que considerar um lugar assim
“seu lar”?
Diferente do Dr. Manhattan, que apesar de ter sido humano um
dia, passou a desprezar os humanos e o planeta Terra, Kal-El que nunca foi terráqueo
e por isso tinha toda desculpa de se tornar um adolescentezinho super cheio de
si e ir embora desse planeta, ou explodi-lo quando estivesse de saco cheio de
ver coisas como holocausto, violência, corrupção, falsidade, ódio e etceteras,
fez o contrário: amou o planeta em que foi criado com seus defeitos e
qualidades e sempre transmitiu a mensagem que “lar” é onde está seu coração,
onde você amou e se sentiu amado, onde você se sente confortável, o lugar que
você arriscaria a própria vida para proteger...
Desistir de algo quando está ruim é fácil.
Ficar para salvar e tentar reconstruir aquilo que tem valor
é que é heroísmo.
3)Infalível, só que não.
Já li por aí várias comparações entre o Superman e Jesus
Cristo; algumas até muito bem escritas.
No filme “Superman, o retorno” o diretor Bryan Singer usa e
abusa dessa metáfora
( Jor-El (pai biológico) diz ao enviar seu filho a Terra:
“Apesar de ser criado como um ser humano, você não é um deles [...] eles
poderiam ser um grande povo [...], porém precisam de uma luz para iluminar o
caminho [...]”.)
A impressão que eu tenho é que ninguém gostou desse filme
porque o superman é esperançoso demais e todo mundo amou o Batman porque é
sombrio demais.
Sabe como “Superman o retorno” teria ficado mais “dark” que
o Batman? Se ele fosse literalmente uma metáfora da Bíblia e tivesse que matar
seu próprio filho para salvar o mundo.
Tem algo mais sombrio e ao mesmo tempo mais generoso e
heróico do que sacrificar o próprio filho pela humanidade?
E logo ele que é alienígena?
Não acho que foi um erro fazer Kal-el parecer com Jesus
Cristo, acho que foi um erro não ter ido até o fim com isso.
(religiões a parte, J.C. é muito hardcore.)
Assim como a onipotência de Deus é vigorosamente questionada
por ateus, a infalibilidade do superman também é, por muitas pessoas:
“Se ele é tão fodão e
invencível porque não acaba com a fome no mundo? Por que não caça terroristas?
Por que não conserta o buraco na camada de ozônio?Por que não governa a Terra?”
Muitas edições foram dedicadas a responder essas questões,
mas a que mais me convence foi a que eu li numa edição comemorativa dos 70 anos
da DC3. Nela contém uma
história chamada “Precisa haver um superman?” onde os Guardiões do Universo de
OA, uma raça de alienígenas superpoderosos que cumpre o papel de sistema
judiciário sideral (e também são líderes da tropa dos lanternas verdes),
acreditam que a presença de Superman está tornando os humanos muito acomodados
e usando desse subterfúgiofazem um
implante nele para que ele passe a acreditar que sua presença atrapalha o
desenvolvimento da humanidade e que ficando na Terra ele impede que ela evolua,
aprenda com seus erros e se fortaleça. ~Muito chatiado~ ele começa a se
questionar: “Precisa haver um superman?” E saí pelo mundo em busca de respostas
e tentando contribuir de maneira construtiva para com a humanidade. Após
ponderar sobre o assunto, ele entende que deve sim continuar ajudando seu lar,
mas dará chance para a sociedade aprender com seus erros e se curar, como um
antibiótico que impede que bactérias se proliferem, mas não as mata, permitindo
ao corpo criar imunidade naturalmente.
Por outro lado, em outras histórias vemos que ele não é
infalível; não é onipresente, e não só na kriptonita verde reside toda a
fraqueza do homem de aço (fraqueza física pode ser, emocional não).
Por exemplo: Ele não conseguiu salvar a cidade de Kandor de
ser engarrafada pelo vilão Brainiac (séries Pré-crise nas infinitas terras e
Nova Krypton)
Ele não é infalível, ele é inabalável, o que é diferente.
Quando ele falha, ele se qualifica, aprende com seu erro.
A vida e as experiências dele são na verdade, muito
parecidas com as nossas.
Ele já foi atormentado pelos seus momentos de vergonha, já foi
negligente e não procurou formas de reverter problemas, já deixou deveres pra
depois, já se deprimiu e foi se entocar na Fortaleza da Solidão para poder se
fortalecer e voltar melhor, já sofreu por perder entes queridos, chorou a perda
do seu animal de estimação, etc.
A personalidade dele também não é 100% indefectível.
Ele é tímido.
É complicado traçar um perfil de um personagem clássico dos
quadrinhos porque algumas características deles não são imutáveis e de fato mudam
de acordo com o tempo, o roteirista, o desenhista, etc.. E como estão há mais
ou menos 80 anos sobrevivendo do sucesso
de suas historias, são produtos de mercado como a coca-cola... ou seja: a
essência é a mesma, mas a modernidade implica em mudanças na embalagem, uma
coisinha ou outra na fórmula, etc.
Por exemplo: o Demolidor tinha a roupa amarela, a Mulher Maravilha
já usou saia e o superman era mais “bruto” e agia mais do que pensava.
Em 1940 ele começou a agir mais como detetive e passou a ser
cada vez mais humano, porém, o alter-ego do superman, Clark Kent sempre foi excessivamente
tímido.
Okay, timidez não é o pior dos defeitos.
Batman é cínico e monossilábico e tá na moda amá-lo e
defendê-lo: Ai, ele é assim porque ele é
mais inteligente que os outros e não precisa de superpoderes, Noooossaaaaa como
ele é foda!
Superman (como Clark Kent) é um caipira coitadinho e não
paga de melhor que os outros, todavia, ele É melhor que os outros.
4) Ficcionalmente real
Três exemplos – não-ficcionais- do que o Superman fez pela
humanidade:
1) Na série “grandes astros superman” (All Star Superman- Grant
Morrisson), em uma das cenas ele salva uma menina que iria se jogar do alto de
um prédio4. Algum tempo
depois, foi postado na internet o depoimento de uma mulher que estava com
depressão e queria se matar, mas decidiu não faze-lo por conta dessa história.
No final ela diz: “Agora estou na faculdade, a melhor da
minha classe. Eu tenho amigos. Eu tenho uma vida. E não me importa se ele é um
personagem fictício de quadrinhos. Ele continua tendo salvado minha vida.”
2) Em 1946, existia uma rádio novela do herói e através
desse programa de rádio o Superman ajudou realmente a derrubar a famosa
organização racista Ku Klux Klan.
Houve um arco de 16 episódios em transmissão chamado Clan of
fiery cross (Clan da cruz em chamas) onde no final, o superman toma a KKK,
prende seus membros e conta em rede nacional o que eles faziam.
O que é interessante é que muito do que era contado na rádio
novela eram informações verdadeiras e confidenciais aos membros da KKK.
Tal peripécia foi possível porque o jornalista Stetson
Kennedy havia se infiltrado na KKK e repassava as informações para os produtores
do programa de rádio que usavam esses dados sigilosos para compor o roteiro da
rádio novela.
3) Existe um boato de que a aclamada série Seinfield possui
uma referência do superman em quase todos os episódios.
Todas essas referências, encontram-se no site “seinology”. Algumas
delas são: tem um imã do Super-Homem colado na geladeira visível de todos os
ângulos da cozinha, tem uma estatueta do Super-Homem atrás do som visível da
maioria dos ângulos do apartamento e os personagens frequentemente usam termos
como “Kryptonita”, "Lex Luthor", “Fortaleza da Solidão”, “Os Bizarros”, Jimmy Olsen, Aquaman,
Homem-Elástico, Homem-Plástico, Lois Lane.
Concluindo: ele não é o número um na minha lista de
favoritos, mas na minha opinião, o homem de aço é o maior herói de todos os
tempos e ao contrário do que muito hoje se fala, é O MAIS HUMANO.
Nas palavras de Grant Morrison:
“Somos todos
super-homens em nossas próprias aventuras, temos nossas próprias fortalezas da
solidão para onde nos retiramos, temos nossas próprias coleções de coisas
especiais que valorizamos, nossos próprios super animais de estimação, nossas
próprias cidade engarrafadas que nos sentimos culpados por negligenciar. Temos
os nossos próprios colegas e rivais e Bizarros emaranhados emocionais e amorais
que temos que lidar.”
Ainda bem que eu não usei os adesivos do superman do meu
antigo caderno.
Tô pensando em algo muito loco pra fazer com eles...
Tipo...
Colar!
Em...
Algum lugar...
Enfim, que venha o novo filme do superman!
¹ PRESSFIELD, Steven. Portões de fogo: um romance épico da Batalha das Termópilas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001
² Superman: Red Son
3Coleção DC 70 anos: As maiores histórias do Superman. 1º volume. Editora Panini Comics. 2008