- “Meu Deus! que que é
isso?”
- “Afeee o que você
fez aí?”
- “Não faz mais isso em você Ana Paula, isso aí é coisa
do inimigo!”
Essas foram últimos comentários que escutei sobre a minha
tatuagem que é meio parecida com o desenho que está abaixo:
Estranho porque eu achei tão fofinho a primeira vez que eu o
vi...
Legendei mentalmente o desenho com a mensagem: “não julgue a
aparência, acredite em você!”.
Tudo por causa do ursinho, ele me ganhou.
Me encantou que mesmo sendo ele tão pequeno, tinha pose de
herói e parecia querer proteger o garoto que estava dormindo de um terrível
monstro.
Falou mais alto o “modelo Disney” de vilão e mocinho
incutido em mim desde os seis anos de idade e a linguagem corporal das figuras.
E como eu sou pequena como o ursinho (literalmente) o
desenho funcionou na minha mente como catalisador de auto-estima, simbolizando o
otimismo que me falta e a esperança de que não importa o quão pequeno você seja,
você pode fazer algo grandioso.
Mas ao interpretar o desenho dessa forma, eu julguei pela
aparência.
O ursinho herói e o monstro malvado? Muito óbvio.
Por que o ursinho tem que ser o herói e o monstro o vilão?
Particularmente eu julguei o monstro como vilão,
simplesmente porque ele era o monstro...
Ora, se ele é feio e grande, ele é o vilão. Ponto final.
E o ursinho foi julgado como heroi porque ele é fofinho,
bonitinho e como é provavelmente um brinquedo da criança ele inspira confiança.
Difícil supor que ele poderia querer fazer mal a ela.
Todavia, se reparar bem, é o ursinho que está armado, não o
monstro.
E o monstro não está fazendo efetivamente nada com a
criança.
Se trocassemos as posições -se o ursinho estivesse no lugar
do monstro e o monstro no lugar do ursinho empunhando uma espada- provavelmente
o monstro ia continuar sendo o vilão e o ursinho o herói.
Tudo por causa da aparência.
Entretanto, a aparência não revela o que se passa na mente
do ursinho e com minha experiência como expectadora assídua de CSI, Dexter, The
mentalist, Damages, Law and Order, Criminal Minds e outros... posso assegurar
que o criminoso em 90% dos casos é alguém muito próximo da vitima .
Se bem que nunca vi um ursinho serial killer...
Bom, teve o Chuck o boneco assassino...
Whatever.
Importante é que: pode ser que por traz daquela fofura e
pequenez haja uma mente psicótica que deseja matar crianças e ele estava
justamente prestes a matar o menino a facadas quando o monstro chegou para
impedi-lo.
“A maldade usa muitas
mascaras mas nenhuma é tão perigosa quanto a máscara da virtude”(DESSA
FRASE, não sei a referência)
O monstro pode ser na verdade o protetor do menino que veio
para salvá-lo do ursinho mau.
Ou talvez... o vilão seja o próprio menino que está dormindo!
A criança pode ser um alien disfarçado que tem um plano
maligno de escravizar a humanidade e o ursinho e o monstro precisam extingui-la
para que a paz mundial não seja abalada.
O desenho pode significar o momento em que o ursinho fala
para o monstro: “você segura o menino e eu passo o canivete no pescoço dele”
Talvez os três sejam vilões e o ursinho e o monstro estejam
preparando um motim contra o garoto que por sua vez está só fingindo que está
dormindo ao passo que esconde embaixo do travesseiro um revolver para matar os
dois.
Talvez os três sejam amigos... o ursinho e o monstro podiam
estar só brincando enquanto o menino dormia.
Com efeito, não é possível dizer se existe mesmo um vilão e
um mocinho ali porque não sabe-se o contexto.
E é aí que está a genialidade dela: é um desenho
relativamente ambíguo que abre precedente para varias interpretações e em
contrapartida também exemplifica como é fácil trilhar o caminho da
superficialidade e da estereotipia quando estamos acostumados a formular
conceitos baseando-nos somente naquilo que vemos.
"Se a essência fosse igual a aparência, não teríamos a
ciência." Dizia meu professor de sociologia.
E “não existem fatos, apenas interpretações” completa
Nietzsche
Elaborar julgamentos
à respeito de coisas que nós não conhecemos direito é uma pratica que
aprendemos muito cedo na vida e é meio que um instinto de sobrevivência.
Por exemplo: a
maioria das cobras listradas são venenosas.
“A maioria”, não
todas.
Mas se você estiver
acampando na Amazônia e vir uma cobra listrada o mais lógico é ficar longe dela
não é? só pra garantir...
Mas generalizar se
torna algo ruim quando origina o preconceito.
“Todo monstro é
vilão”
“Todo ursinho é
bonzinho”
Mas isso todo mundo sabe...
Em tempos de politicamente correto a exceção é o Bolsonário
que diz ter orgulho de ser preconceituoso.
Libertariedade agora é ~tendência~.
Ser preconceituoso é o novo usar crocs laranja na balada:
chama atenção porque é feio.
Mas que tem muita gente usando crocs laranja achando que é
um scarpin Salvadore Ferragamo, isso tem.
Em outras palavras: nem todo preconceito é visível e
recriminado... e nem todo preconceituoso sabe que o é.
Vou citar dois exemplos baseados em posts reais de facebook:
1) O “preconceito
roqueiro”
Não o preconceito contra os roqueiros, isso ta mais prá anos
80 e 90. Hoje em dia eles não são mais párias: “os marginalizados, excluídos,
revoltados”... E não é incomum ver alguém que só veste preto e usa cabelo
comprido. É o preconceito de uma parcela considerável dos fãs desse gênero
musical que acha que somente a sua música que é boa, que somente rock é cultura
e que defendem a sua preferência musical de uma forma que beira o xiismo.
O discurso usado é: “as letras são perfeitas porque são
profundas, de conteúdo pleno...enquanto os outros estilos fazem letras que
variam de medíocres a ruins, elaboram 3 frases e chamam de música ... a melodia
do rock é pesada e complexa portanto o musico sempre é excelente enquanto os
outros estilos não tem musicalidade”
E há quem faça pior: que elitiza o rock
Que defende que rock é cultura o resto é lixo...ou ainda:
que rock é pra quem TEM cultura e quando um gênero musical é preterido por um
número muito grande de pessoas é ruim porque a massificação representa pobreza
e quem é pobre não tem cultura e quem não tem cultura não tem bom gosto musical
e ter bom gosto musical significa preferir rock a todos os outros gêneros.
Ou seja, o rock acaba sendo defendido como sendo
o estilo mais perfeito de música, e seus fãs sempre serão os que
ouvirão a melhor música do mundo, seus ídolos estarão acima de quaisquer
falhas e, acima de tudo: os outros estilos, por serem populares, serão sempre
ruins.
A questão aqui não é o que é “musica boa” e o que é “musica
ruim”. A questão é que desqualificar outros gêneros musicais para legitimar o
seu gênero favorito como superior aos outros, nunca é certo.
Se é para criticar alguma coisa, que não seja o gênero
musical, mas a industria da cultura e esses empresários que constroem os artistas
baseados em estereótipos.
Eu acho que todo gênero musical merece respeito.
Toda música é uma manifestação cultural, sendo boa ou ruim.
A qualidade é definida por critérios mais subjetivos que
equacionais
Claro que existem músicas que devem ser apreciadas e
analisadas para além do gosto (musica erudita por exemplo) onde não se pode
apenas “Curtir um som”, mas sim interpretar, conhecer o período, ver as
diferenças de regência etc. Mas fora isso... o que te faz gostar de uma música
ou não é algo muito pessoal e intransferível e não algo possa ser ensinado.
2) O “preconceito neocult”
Os pseudocult são
aqueles malas que sempre tem opinião sobre tudo e todos, mas no fundo não sabem
muita coisa.
É o tipinho de gente que diz que assiste filme iraniano, mas
na verdade não perde um Big Brother.
Que se preocupa mais com o efeito estético da sua
inteligência do que possuir um real conhecimento sobre assuntos específicos...
em parecer que sabe do que ser sábio.
No entanto, já faz tempo que eu ando achando que existem
pseudocults que evoluiram e se tornaram cults de verdade... buscaram e adquiriram
cultura e conhecimento, mas pelo mesmo motivo trivial: vaidade.
Precisam ser admirados pela sabedoria...
Por fora parecem o Peter Pan: pessoas aventureiras, joviais,
corajosas, com o escudo da inteligência nas mãos. Por dentro são como a fada
Sininho: precisam de aplausos para viver.
Cults por fora, mas pseudocults de coração.
Eu os chamo de: neocults.
Que atire a primeira pedra quem nunca teve na timeline
frases do tipo: “why so burros?”, “vão ler um livro ao invés de falar de
novela” ou coisa parecida.
Concordo que sabedoria é importante. Seria uma idiota se não
concordasse.
Mas achar que é melhor que os outros por que “lê muito” ou
“têm cultura”, daí não, né?
Existem Paris Hilton de biblioteca que se acham muito
bonitos e especiais porque compram livros ao invés de sapatos...que lêem ao
invés de jogar futebol e beber cerveja.
Pode isso Arnaldo?
Existem inumeras pessoas sábias nesse planeta, mas muitas delas
nem são alfabetizadas.
Cuidar do intelecto, bem como cuidar da alimentação, é
necessário para a sobrevivência e não deve ser tratado como uma idiossincrasia,
algo estranho, diferente, excêntrico, exótico ...
Não estou querendo dizer que na minha opinião a ciência
devia acabar e a cura do câncer seria descoberta através do amor... que ao
invés de aulas expositivas na Academia todos deveriam dar as mãos e brincar de
ciranda cirandinha... que ao inves de ler o livro do Hemingway as pessoas deveriam usar o tempo para trocar
links de fotos engraçadas no facebook. Não. NÃÃO.
Keep doing
what you’re doing.
Mas tem que ver essa mania de medir os outros pela cultura
que possuem...
Ahhh esses posts de facebook ...
Eu fico só olhando, mas eu penso cada coisa...
Obvio que eu não falo mal de nada nem ninguem no facebook.
Isso é errado.
Falo mal no meu blog onde ninguém lê mesmo.
Até porque criticar facebook no facebook virou mainstream
Com o advento dos criticadores profissionais de facebook eu
chego a concluir que tá faltando louça pra lavar no mundo, forminha de gelo pra
encher, mosquitinho cinza no banheiro pra matar ...
E concluo principalmente que eu devo parar de reclamar.
Por que nesse momento... nesse exato momento que eu começo a
criticar os criticadores do facebook... eu vejo que eu me torno aquilo que eu
critico.
E cá estou eu para servir de mau exemplo e dizer que esse é
o cerne do que eu aprendi a refletir.
Percebi que ao criticar quem se acha melhor do que os
outros... posso estar sendo preconceituosa me colocando na posição de melhor do
que aqueles que se acham melhores do que os outros.
E ainda: eu falei de “preconceito roqueiro”, mas não falei
das tantas vezes que tirei sarro das musicas nacionais, nem das vezes que
tentei influenciar as pessoas a gostar das musicas que eu gosto.
Critiquei a vaidade intelectual alheia, mas eu também mereço
crítica. Se alguem diz que leu três livros e eu li dois eu já acho que ela é
melhor que eu.
Como diria o filosofo e poeta Horacio: “Quid rides? Mutato nomine, de te fabula narrateur”(Por que ris? A
anedota fala de ti, só que com outro nome)
Não sei se isso só acontece comigo, mas as vezes, na ânsia
de querer fugir de me tornar algo que eu repugno e discordo, acabo tomando o
caminho que vai de encontro.
Isso porque os defeitos que a gente odeia nos outros muitas
vezes são reflexo daquilo que odiamos em nós mesmos....pois do contrário não seríamos
capazes de reconhecê-los como defeitos.
Nós sabemos como essas reações emocionais surgem e como as
sentimos.
Por exemplo: quando vemos alguém com raiva ou exibindo-se
com ostentação, nós reconhecemos esses defeitos por já termos experienciado
esses estados em nós mesmos. Além disso, não nos aborrece tanto ver nos outros
os defeitos que não possuímos.
As vezes não é intencional ou consciente... É um mecanismo
de defesa para nos protegermos da frustração e do mal estar que aquele
determinado defeito nos provoca e que vemos tão melhor nos outros do que em nós
mesmos.
Nas palavras do escritor Nelson Rodrigues: "O ser humano é cego para os próprios
defeitos. Jamais um vilão do cinema mudo proclamou-se vilão. Nem o idiota se
diz idiota. Os defeitos existem dentro de nós, ativos e militantes, mas
inconfessos. Nunca vi um sujeito vir à boca de cena e anunciar, de testa
erguida: - 'Senhoras e senhores, eu sou um canalha’."
Pena que você não me conheceu Nelson Rodrigues. Em homenagem
à você eu digo agora: Senhoras e Senhores, eu sou uma canalha!
Imperioso ressaltar que eu não estou generalizando ou
diagnosticando dizendo que eu considero que tudo que você reconhece como sendo
defeito, você necessariamente possui.
Eu não tenho essa estatística, nem esse conhecimento
técnico.
O que eu considero é que todos temos uma parte de nós que
não gostamos e somos obrigados a carregar essa parte conosco como se fosse um
fardo.
Não existe como jogar essa parte fora, o que se pode fazer é
saber a hora de colocar o fardo no chão, assumir com coragem que erramos e
seguir em frente.
Foi essa a grande lição que a minha tatuagem, sem querer, me
ensinou: todos julgamos pela aparência, de alguma forma ou em algum grau. Criticar
não ajuda, mas ficar ciente da crítica e mudar sim. Também as coisas podem não
ser do jeito que a gente vê, porque mesmo se assumirmos que tudo o que vemos é
verdade, a verdade nem sempre é o que parece. E bem e mal é muitas vezes apenas
uma questão de contexto e perspectiva.
Last AND least, eu vos dedico minha estrofe favorita da
minha musica favorita daquele que entende muito de ursinhos de pelúcia e de
sofrer preconceito (e que por isso escreveu essa musica)
Senhoras e senhores, Mr. Michael Jackson:
♪♫ (…) Don't tell me you
agree with me
When I saw you kicking dirt in my eyeee!
When I saw you kicking dirt in my eyeee!
(uu-huuu!!!)
But, if you're thinkin' about my baby
It don't matter if you're black or white (…)♫♪
But, if you're thinkin' about my baby
It don't matter if you're black or white (…)♫♪
♫♪ Tãnãnã … tããnããã... Auuu! ♫♪
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