sábado, 27 de outubro de 2012

Landslide ♪








Meu sonho é ter um pensamento exclusivamente meu.
Pode ser algo simples e que não sirva pra nada, mas precisa ser incomum, excepcional, diferente, que não tenha sido pensado antes.
As vezes tenho a impressão que tudo que é original e importante já foi pensado e agora vivemos de reciclar ideias.
Mas eu tenho um cubo mágico que está tentando me convencer o contrário.
Na verdade, eu nunca chamo ele de cubo mágico, pelo mesmo motivo que eu não chamo advogado de doutor.
- Ah cê é “doutor”? Cadê seu diploma do doutorado?
- Ah cê é um “cubo mágico” ? cadê seu diploma de Hogwarts ?
Eu chamo ele de “cubo de rubik” , o ~nome de batismo~ dele, só de pirraça. Ele tem que aprender que titulação é coisa séria.
Acontece que sob o ponto de vista do cubo é mais provável que tenhamos sempre pensamentos diferentes, do que tenhamos pensamentos iguais. Tudo uma questão de análise combinatória.
Exemplo:
O cubo de rubik possui 43.000.000.000.000.000.000 combinações diferentes.
Se alguém conseguisse realizar todas as combinações possíveis a uma velocidade de 10 por segundo, demoraria 136.000 anos para que ele fizesse todas as combinações sem repetir nenhuma.
Li em algum lugar que o seu próprio inventor demorou um mês para resolve-lo
Se essas são as probabilidades para um cubo mágico de seis lados, com seis cores diferentes, imagine quantas combinações de palavras diferentes uma pessoa adulta consegue fazer para formular uma frase !!! Se é tão difícil organizar 54 quadradinhos, em seis grupos de 9 quadradinhos de cores iguais, por que seria fácil organizar as nossas palavras em frases e essas frases em pensamentos da mesma forma e maneira que outra pessoa faria?
O mais provável é que não haja nenhum pensamento existente que seja exatamente igual ao outro...
Seguindo esse raciocínio, conseguir ter uma idéia que ninguém nunca teve ou uma pergunta que ninguém no mundo fez não parece tão difícil.
O difícil deve ser ter um pensamento diferente, porém útil e que faça a diferença.
Será possível que um dia eu consiga?
O cubo de rubik diria que não.
Três anos que eu o comprei e até hoje só completei dois lados... por isso ele me julga, me aconselha, dá opinião...Ele acha que é mais esperto que eu.
Bem, não lhe tiro a razão.
Não sei se eu estou conversando telepaticamente com um cubo às três horas da manha porque estou com insônia ou se foi conversar com ele que me deixou com insonia.
Por que será que chamam o cubo de rubik de cubo mágico? Tem alguma palavra mágica pra fazer ele ficar com todos os lados das cores iguais?
Porque se for isso, faz sentido...
Para falar a verdade, eu nunca levei a sério esse cubo. Sou preguiçosa demais para me dedicar a resolvê-lo.
Como uma coisa tão simples pode ser tão complicada? É so um cubo cheio de quadrados coloridos fora de ordem cuja razão de ser é esperar que alguém o gire para todos os lados e de todos os jeitos possíveis para que ele fique certinho e com todos os lados da cor igual...
- “Você se considera muito difícil? Me conta mais sobre como é complicado ganhar a vida ficando parado esperando que alguem te resolva! Vida real não é assim não, filho... se você fosse humano como eu, ia ter que se resolver sozinho! Aí sim é pedreira! Humanos não são feitos de quadradinhos de polietileno coloridos... somos feitos de angustias, medos, ansiedades, problemas de relacionamento, depressões e eteceteras ... como se não bastasse temos que pelejar para achar a solução daquilo que não está certo e não entendemos, sozinhos. Porque se estamos desajustados é problema nosso, é nossa responsabilidade se ajustar. Por mais que sua alma grite e suplique ajuda ninguém vai ficar girar o mundo a sua volta para que as coisas fiquem nos seus devidos lugares. Quer saber o que é dificil? Troca de lugar comigo: você me resolve enquanto eu fico quieta só te olhando.”
Ele não falou nada. Acho que concordou comigo, ou ficou chateado porque eu gritei mentalmente. Assim que me acalmar, peço desculpas.
Ele vai entender, era sempre assim as coisas entre eu e ele ...
Podia usar o tempo para tentar resolve-lo, mas eu preferia discutir mentalmente com ele me justificando do porque não o fazia.
Afinal eu nem queria mesmo... quem precisa de um cubo perfeito? Eu acho ele mais bonito assim: todo colorido e fora de ordem, imperfeito e não resolvido.
Talvez fosse melhor eu desenhar uma cara nele e dar um nome...
Eu mais converso com ele do que brinco
Se funcionou para o Tom Hanks no filme naufrago... há de funcionar para mim ...
E se eu refutasse essa procrastinação que me personifica e tentasse resolver esse cubo agora ??
Acho que o que me falta é só esforço, paciência e dedicação.
Ok, já fechei o lado verde e estou quase fechando vermelho...
Preciso ajustar a ultima linha do amarelo que esta misturado com branco e o vermelho
Vou girar pra esquerda pra pegar o quadradinho amarelo...
E agora estraguei a parede verde.
E a azul também.
Ah, que se dane esse cubo...
Vou voltar pra cama e ficar com insônia em paz
Meu quarto não é grande coisa, mas, de todos os lugares que amo nesse mundo, ele é o meu preferido.
É o único e singular lugar no espaço onde gira meu universo inteiro, meu “127.0.0.1” da vida real e etecetera.
Hoje ele tem um motivo a mais para ser especial porque eu coloquei em cima da cama um novo lençol azul claro.
Eu devo ter uns outros tres lençois dessa mesma cor, porque é minha cor favorita... mas esse lençol apesar de ser azul claro como os outros é diferente porque é de seda e portanto mais brilhante
Eu sabia que ele estava destinado a mim quando o vi na nas lojas pernambucanas... ele brilhava na embalagem como o sabre de luz do Luke Skywalker no filme Star Wars.
Imaginei que seria mais feliz se eu o comprasse.
Com efeito, estou feliz agora olhando para ele.
Tenho orgulho de ter um lençol azul claro brilhante em cima da minha cama.
Mas como estou sem sono, está um pouco frio e o lençol tá ali... novo... não fazendo nada, apenas sendo lindo em cima da cama... resolvi me embrulhar nele e passear ate a janela da sala.
Tiro o lençol azul claro brilhante da cama, jogo nas minhas costas, cubro a cabeça com ele e seguro-o com as mãos à frente ao peito.
Fiquei igual a uma aparição de Nossa Senhora. O que era perfeito para ocasião, pois, enquanto olhava as estrelas e tomava um ar na janela da sala, podia assustar algum transeunte ou vizinho.
O que aconteceria se todos os seres humanos combinassem de ter o mesmo pensamento cronometradamente no mesmo horário, no mesmo dia?
Dizem que “pensamento tem força”, isso deve fazer alguma coisa, não deve?
Será que isso criaria uma espécie de campo magnético? ou abriria uma fenda no chão por onde sairia um arco-iris e unicórnios prateados saltariam dela?
Impossível.
Pelo que eu sei só existem unicórnios brancos.
E se o mundo é uma ilusão? E se nada do que vemos existe, é só uma projeção da mente?
Nesse caso, eu obviamente paguei muito caro nesse lençol de cetim azul.
Olho para fora da janela como quem vai achar lá fora algo que perdeu dentro de si
Nada interessante acontece lá fora.
Nada interessante acontece aqui dentro.
Mas esse cheiro, esse vento, essa lua... de certa forma me lembra alguma coisa.
Acho que me lembra o ano de 1996.
Não costumo me lembrar de historias.
Ao contrário: domino a arte de esquecer fácil das coisas.
Importantes e não importantes, sem discriminação de intensidade.
Mas lembro de coisas seletivamente aleatórias...
Não reclamo. A vantagem da minha memória ruim é que aproveito várias vezes pela primeira vez as mesmas coisas boas.
Antes de 1996, eu não saía muito, so assistia TV
E achava que o mundo la fora era como na TV
Eu planejei a vida que eu queria quando eu fosse adulta assistindo TV...
E a vida que eu queria ter era aquela daquele moço bonito, que tinha um cavalo bonito e que estava sempre em lugares diferentes e muito bonitos.
Eu olhava para ele e pensava: Isso é felicidade! É isso que eu quero!
Em 1996 eu saía menos ainda de casa, mas já me sentia mais adulta.
Sentia que tinha amadurecido, porque deixei de sonhar em ter a vida do moço da propaganda de cigarro Malboro e passei a sonhar com coisas mais plausíveis como a propaganda do “sabonete liquido lux shower gel”
Eu me apaixonei por aquele sabonete liquido...
Por causa da propaganda eu passei a imaginar que tomar banho podia ser um ato glamuroso... e a propaganda prometia que o cheiro do sabonete era tão bom que assim que eu saísse do banho eu me sentiria uma estrela e todos me amariam.
Essa é a diferença entre ficção científica e marketing: ficção pelo menos tem que se parecer com a realidade.
O estranho era que eu gostava de gostar daquele sabonete
Enquanto caminhava para o colégio, sonhava em tomar banho com o lux shower gel e me tornar uma estrela... como seria o cheiro daquilo? Eu sabia que só podia ser bom porque a embalagem era muito bonita
Tinham três aromas, mas eu só lembro da cor das embalagens: verde, azul e bege
Eu queria o azul.
Tive que pedir durante aproximadamente uns três meses para minha avó compra-lo para mim e é provável que foi justamente esse esforço que me faz lembrar desse sabonete,  ao invés de outras coisas importantes na vida que eu aprendi nessa mesma época, tais como: calculo estequiométrico, taxionomia vegetal e como usar a crase corretamente.
Sonhei em tê-lo, lutei por ele.
Ate que finalmente convenci minha avó a comprá-lo.
Foi em dezembro, isso eu também lembro.
Assim que tive o sabonete líquido da propaganda eu fui outra pessoa...
Enquanto eu tomava banho eu me imaginava fazendo discursos... recebendo oscars, premio Nobel... aplausos em um show de rock...
Se duvidar, ate futebol eu joguei...
Pena que eu saía do banho e tinha que ir pra escola a pé e ser a mesma desqualificada de sempre.
Pensando bem, eu acho que fui mais feliz quando eu sonhava em ter o sabonete, do que quando eu o tive.
De fato, as maiores aventuras da minha vida, as maiores conquistas, as maiores alegrias ... aconteceram dentro da minha cabeça.
Mudando de assunto, mas na mesma linha de raciocínio: pessoas que eu não conheço e/ou que não existem,  foram/são importantes para mim. Jesus Cristo, Sheldon Cooper, Power ranger vermelho, Capitão Spock, J.D. Dorian, entre outros, influenciaram mais a minha vida do que as pessoas reais com quem convivo.
Eles mudaram o meu jeito de pensar e de me comportar na Terra. Que diferença faz se são fictícios? São bons exemplos.
Na verdade, como eles vão continuar existindo depois que eu morrer provavelmente... acho que isso faz deles mais reais que eu.
Mas voltando a 1996: outra coisa que eu não entendo como me divertia era ir ate o terminal rodoviário, pegar uma lotação com destino a um bairro da cidade que eu não conhecia, ir ate o ponto final e então voltar para o terminal.
Por que isso era legal?
Eu não lembro.
Melhor que isso, era esperar pelos sábados à noite.
Era o dia de ir no mercado e o único dia na semana que eu podia escolher alguma “porcaria” (definição do meu avô para: doces, salgadinhos, bolachas e coisas do gênero) para mim.
Eu sempre escolhia uma latinha de sprite e uma barra de chocolate diamante negro.
Aí, passava o dia esperando que chegasse logo as 20h (mais ou menos) que era quando passava um seriado de comédia na bandeirantes chamado “um amor de familia”.
O seriado era bom, mas assisti-lo comendo diamante negro e bebendo sprite era muito mais que bom, nem sei descrever.
Nada disso hoje tem a menor graça.
Agora eu ganho meu próprio dinheiro e posso comprar sabonete liquido se eu quiser sem ter que implorar para ninguem ... mas eu não o faço porque não gosto mais de sabonete liquido.
Também prefiro andar à pé do que andar de ônibus. E se eu tenho que ir em um lugar distante da cidade e que eu não conheça, isso deveras me chateia.
Além do fato de que eu normalmente me perco.
Descobri que o nome original em inglês do “um amor de família” é “married with children” e esta sendo reprisado no canal comedy central.
Eu assisti um episodio semanas atrás e não gostei muito.
Não que seja ruim, na verdade esse seriado marcou época e foi a base pra dezenas de outros que fizeram depois e ate mesmo hoje continua sendo um bom seriado... mas é que de lá pra cá ou fizeram seriados melhores, ou meu gosto mudou.
Só o que não mudou foi meu apreço por seriados.
“Dr. Who” é meu novo “married with children” hoje em dia.
Quanto ao chocolate e o refrigerante eu ainda gosto... mas combinar sprite e diamante negro é algo que eu não faço há muito tempo, não sei porquê.
Sinto saudade de 1996... uma época em que um sabonete liquido, um transporte publico, um seriado, um chocolate e um refrigerante me faziam sorrir tão fácil.
As vezes eu quero que tudo volte a ser como era antes.
As vezes eu prefiro tudo como está.
Ainda estou procurando um meio termo para solucionar esse inconveniente que é envelhecer.
Volto a prestar atenção lá fora e eis que algo finalmente acontece: começa a chover.
Arvores começaram a se mexer, o cheiro da atmosfera mudou.
A princípio não gostei ... a chuva levou 1996 embora, lavou minhas lembranças.
E esfriou... no dia seguinte eu teria que trabalhar, é chato ir trabalhar com chuva.
Fica tudo tão... molhado.
Mas depois gostei
As plantas precisavam e é muito melhor dormir com chuva
A chuva mudou tudo.
E ao observá-la, vislumbrei um prospecto do que eu estava procurando e não me deixava dormir: Era assim que eu queria criar uma ideia. Como aquela chuva.
Uma coisa útil, que lave tudo, limpe e traga mudanças. Mesmo que no começo incomode por ser diferente, depois a gente sempre acaba percebendo que mudar é uma coisa boa...
Mas apesar de diferente, que fosse usual e descomplicado. Uma dessas coisas que acontecem sempre e por isso não parecem originais, nem importantes, mas são.
Por que acho que esse mundo precisa valorizar mais as pequenas coisas, as coisas comuns e as coisas secundarias...
Eu queria um pensamento como essa chuva: algo inesperado, bonito, comum e útil...nascido de repente em uma noite de insônia que eu estava olhando o céu e achando que nada de novo poderia acontecer e se acontecesse não seria bom.
Não sei de onde veio essa fome de pensamento à essa hora da madrugada.
Deve estar vazia a geladeira do meu cérebro.
Viver é tão muito fácil: só temos que ser nutridos, expelir excrementos e respirar para nossas células não morrerem.
E essa simploriedade da explicação biológica não me deixa feliz.
Tem que ter algo mais do que nascer, crescer, reproduzir e morrer.
Sem prestar muita atenção e porque estava entediada e não tinha nada melhor para fazer, peguei uma caneta esferográfica preta de ponta grossa e desenhei um ponto de interrogação em um dos lados do cubo de rubik.
Posso ainda não ter feito uma pergunta inteira, mas uma parte dela eu já fiz, estava ali. Um ponto de interrogação já é uns 10% da pergunta, não é?
Trabalho concluído por hoje.
Olhei para o meu reflexo no vidro da janela e deparei-me com uma verdade irrefutável: Esse lençol é muito feio! Onde eu estava com a cabeça comprando uma coisa tão ridícula?
Dobrei aquele pano absurdamente brilhante, peguei o meu “cubo de interrogação” e fui tentar dormir.
Faltavam só três horas para o despertador do celular tocar e eu ter que acordar mal humorada para me arrumar para o trabalho.
Mas tudo bem porque eu tinha um plano magnífico para a noite: comprar uma barra de chocolate diamante negro e uma sprite para assistir Dr. Who.
Merlin!
Merlin é um bom nome para chamar um cubo ~mágico~.
-“Não significa que você me venceu, cubo!”
-“ Não me olhe desse jeito... é só uma questão de tempo até eu conseguir...”
 - “Afee você ficou dez vezes mais petulante com esse ponto de interrogação na cara...”


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